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Diretor dos Museus Vaticanos diz que a vida do grande artista do Renascimento foi marcada pela autorrepresentação de uma criatura sofrida e que hoje é muito difícil ter uma imagem exata de como era esse gênio.
Como pintor, escultor ou arquiteto, Michelangelo Buonarroti foi genial em tudo que fez. Ele morreu em Roma há exatamente 450 anos, em 18 de fevereiro de 1564.
Para saber mais sobre esse gênio renascentista, a DW conversou com Arnold Nesselrath, professor de história moderna e medieval na Universidade Humboldt em Berlim. Desde 1995, ele também é diretor do departamento de arte moderna, bizantina e medieval nos Museus Vaticanos.
DW: Qual a importância da origem humilde de Michelangelo no desenvolvimento do artista?
Arnold Nesselrath: Com certeza, ele era uma pessoa muito complexa, mas pode ter havido várias razões para isso. Ao longo de sua vida, Michelangelo ganhou muito dinheiro, tornando-se um homem rico. Em retrospecto, portanto, é difícil avaliar o impacto psicológico que a origem do artista teve em seu desenvolvimento.
Apesar de sua incrível riqueza, o pintor viveu modestamente. Por quê?
A forma de viver de cada um é uma decisão pessoal. Como falei, ele tinha uma personalidade muito complexa. Pode-se supor várias coisas, mas uma afirmação concreta sempre será especulativa.
De onde veio o apelido "O Divino"?
No Renascimento havia muitos desses apelidos para artistas, era algo frequente. Embora Michelangelo tenha feito uma forte autopropaganda, ao mesmo tempo ele se apresentava de forma muito modesta. Tudo isso faz parte de sua autopromoção.
Como mestre da autoencenação, muitas anedotas foram espalhadas sobre ele. Você gosta de alguma em particular?
É difícil ter uma anedota predileta, pois isso leva a discussões sobre história da arte. Foi o próprio Michelangelo quem pôs em circulação, muitas vezes, a difamação de colegas. Por isso declarações sobre Michelangelo, incluindo as de seus biógrafos, que em parte foram ditadas por ele, têm de ser analisadas criteriosamente. Naturalmente, há estudos sobre isso. Um exemplo é a afirmação de que o papa Júlio 2° lhe encomendou a pintura de toda a Capela [Sistina] e a retirada dos afrescos do século 15 [das paredes laterais]. Isso pôde ser refutado por Michael Hirst [historiador britânico e especialista em renascimento italiano].
Por um lado, ele foi um gênio, por outro, um automarqueteiro de mão cheia?
Em minha opinião, ele era relativamente neurótico e, portanto, uma pessoa difícil. O papa Leão 10°, que preferia Rafael, obviamente reconheceu que Michelangelo era um grande artista, mas reconheceu também que ele e Rafael juntos, em Roma, era algo que não funcionava. Por esse motivo, ele lhe fez encomendas em Florença, para que ficasse um pouco afastado e, mesmo assim, fosse possível usufruir de seus serviços. Leão 10° conseguiu, de alguma forma, lidar com esse homem difícil.
Michelangelo nos parece colérico e arrogante. Hoje ele nos pareceria simpático?
Isso sempre dependeu da pessoa que se deparasse com ele. Creio que eu não o acharia muito simpático. Muitos de seus contemporâneos pensavam o mesmo. Mas, como falei anteriormente, tudo depende da pessoa que o encontrasse. Para muitos, ele teria sido, provavelmente, motivo de compaixão, pois carregava consigo, por assim dizer, uma "hipoteca" lastimável.
O grande artista teria de fato sofrido, seja por motivos familiares ou por conflitos internos. A partir de que ponto devemos sentir compaixão por ele?
Ele certamente queria nos fazer crer quer realmente sofria. Ele simplesmente não era capaz de se alegrar com as coisas, com o seu legado que hoje nos dá tanta alegria, e de vivenciar seu sucesso. Naturalmente, isso pode ser motivo de compaixão. No entanto, se ele realmente sofreu muito, ou se isso não seria antes um elemento de sua autoencenação – essa é outra questão. Certamente, tanto uma coisa quanto a outra não teria sido fácil para ele. O fio comum que atravessa a sua vida é a autorrepresentação de uma criatura sofrida.
Mas é preciso esclarecer: nos dias de hoje, Michelangelo é uma construção sobrecarregada de hipóteses. Assim, é muito difícil ter uma imagem desse homem. Aquilo que sabemos não nos dá uma impressão particularmente simpática dele – mas quem sabe como essa imagem foi pintada?
Qual foi a grande oportunidade na vida de Michelangelo?
Ele se destacou já nos jardins em Florença e nos trabalhos para a família Médici. As pessoas que entendiam um pouco de arte reconheceram logo que se tratava de um artista genial. Nessa época, também teve destaque a grande estátua de Baco, que hoje se encontra no Museu Nacional de Bargello. Quando se observa com calma e de perto a Pietà, vê-se que é um trabalho incrivelmente emocionante e impressionante. É algo irresistível para o observador. Ao longo de sua vida, ele provou que esse trabalho é o seu padrão.
Que termo poderia descrever Michelangelo e sua obra?
Pode-se falar da arte à moda antiga. Michelangelo é um dos grandes artistas que a história já produziu. Esse é um termo que não se deve subestimar.
Michelangelo foi pintor, arquiteto e escultor. Ele trabalhou principalmente em Florença e Roma. Em sua opinião, qual a sua obra-chave?
Eu tenho uma predileção pelo Ricetto da Biblioteca Laurenziana, o hall de entrada ao lado da grande biblioteca em São Lourenço. Arquitetonicamente, é algo genial. Simplesmente tudo é perfeito: a total compreensão das ordens arquitetônicas, dos materiais, da recepção da Antiguidade. É simplesmente uma obra única. Mas isso não quer dizer que a Capela Sforza, que foi restaurada há alguns anos, seja menos importante. Ela é uma obra clássica. A construção espacial é muito sutil, mas consistente. Também o conjunto da Basílica de São Pedro foi executado por ele. Além disso, a já mencionada Pietà está entre as grandes obras.
- Data 18.02.2014
- Autoria Birgit Görtz (ca)
- Edição Alexandre Schossler
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