Deutsche Welle
Com vida repleta de dramas, candidata entra na corrida presidencial devido a uma tragédia. Militância ambiental deixa de ser marca e vira bônus em seus currículo e discurso, que a diferenciam dos políticos tradicionais.
A vida de Marina Silva é marcada pelo número de vezes que a ex-senadora enganou a morte. Foram três hepatites, cinco malárias, uma leishmaniose e uma contaminação por mercúrio.
Perdeu ainda nova a mãe. A vida no seringal Bagaço, no Acre, era difícil. Osmarina – nome de batismo da ex-senadora – vivia sob a ameaça constante da malária e do sarampo. Seus pais tiveram 11 filhos, mas apenas oito sobreviveram.
Hoje com 56 anos, a morte continua a rondar a ambientalista. Recentemente, Marina escapou do acidente de avião que matou o companheiro de chapa, Eduardo Campos. Na última hora, mudou de planos e embarcou em um voo comercial para São Paulo, onde faria algumas reuniões de campanha.
“Existe uma providência divina formada em relação a mim, à Renata e ao Miguel [mulher e filho de Campos, que costumavam viajar com o candidato], mistérios que nós não compreendemos, nem em relação aos que ficaram e nem em relação aos que foram”, disse a jornalistas a caminho do Recife, para o enterro do ex-governador de Pernambuco.
A tragédia, entretanto, representou um sopro de vida na carreira política da ambientalista. Agora candidata à presidência pelo PSB, Marina deve levar as eleições para o segundo turno, e tem chances reais de ganhar o pleito. Para muitos especialistas, a ex-senadora nunca esteve tão perto da Presidência.
Candidata forte
A pesquisa do Datafolha, divulgada no início da semana, já aponta os reflexos de uma candidatura da ambientalista. Dilma Rousseff (PT) aparece com 36% das intenções de voto, seguida por Marina Silva, com 21%, e Aécio Neves, com 20%.
No levantamento anterior, Eduardo Campos tinha apenas 8%. Em um segundo turno, Marina teria 47% e Dilma, 43%, o que configura empate técnico (dois pontos percentuais, para cima e para baixo). O desempenho expressivo é reflexo do patrimônio eleitoral acumulado pela ambientalista nos últimos anos. Candidata à Presidência em 2010, Marina recebeu quase 20 milhões de votos – o melhor desempenho de um terceiro colocado desde a redemocratização.
Apesar de ser mais conhecida do que Campos, Marina havia concordado em ser vice na chapa do PSB, em uma reviravolta que pegou de surpresa até mesmo seus apoiadores mais próximos. A proposta partiu da própria ex-senadora em outubro de 2013, após o Tribunal Superior Eleitoral ter vetado a criação de seu partido, a Rede Sustentabilidade.
Aliados do PT e PSDB argumentam que a comoção nacional pode ter inflado os resultados de Marina na última pesquisa, e torcem para que o efeito catártico diminua ao longo da campanha.
Para eles, a imagem de Marina deve se desgastar quando ela apresentar suas propostas de governo. Os tucanos devem explorar também a experiência política de Aécio Neves como governador e criar dúvidas sobre a capacidade de gestão de Marina – ela foi vereadora, deputada estadual, senadora e ministra do Meio Ambiente no governo Lula.
Contam, principalmente, com o mal-estar que certas posições da ex-senadora, nos campos ambiental, moral e religioso, poderiam causar no eleitorado.
Religião
Evangélica da Assembleia de Deus, Marina é, por vezes, tachada de “fundamentalista” e “radical”. Entretanto, o eleitor típico da ex-senadora, segundo as pesquisas do Datafolha, é jovem, bem escolarizado, de alta renda e oriundo de grandes centros urbanos. Seu eleitorado tende, assim, a ter opiniões mais liberais.
Segundo especialistas, Marina pode perder votos por suas posições tidas como conservadoras. Por exemplo, em relação ao aborto. Ela se declara contra, mas defende um plebiscito sobre a questão. Também é contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, por considerá-lo um “sacramento”, mas apoia a união civil de homossexuais.
Uma das maiores polêmicas que a candidata já enfrentou foi sobre o ensino religioso. “Um jovem me perguntou o que eu achava de as escolas adventistas ensinarem o criacionismo. Respondi que, desde que ensine também a teoria da evolução, não vejo problema. A partir daí, as pessoas começaram a dizer que eu estava defendendo o criacionismo. Sou professora, nunca defendi essa tese e nem me considero criacionista”, disse Marina certa vez.
Marina sobreviveu a três hepatites, cinco malárias, uma leishmaniose e uma contaminação por mercúrio
Imagem frágil
A candidata se converteu em 2004, após ter se curado do envenenamento por metais pesados, provavelmente causado pela má administração de remédios para o tratamento de leishmaniose. Após uma experiência mística, aceitou realizar um tratamento que podia salvá-la ou matá-la.
Uma vez mais, Marina escapou da morte. A fragilidade física, no entanto, a acompanhou e é uma de suas marcas. Devido às doenças, sua dieta é repleta de restrições. Tem reações alérgicas a uma infinidade de itens, inclusive a cosméticos.
Magra e sem maquiagem, o visual de Marina Silva reforça sua imagem de seriedade e moralidade. Costuma usar roupas sóbrias, principalmente vestidos longos, com xales e adereços típicos da região norte do país. O longo cabelo preto, do início da carreira, passou a ser atado em um coque, no alto da cabeça. Carrega sempre uma bolsa preta, com uma Bíblia.
Discurso político
Seu visual se encaixa bem ao seu discurso, apontado como “messiânico” por alguns. Marina evita atacar seus oponentes e costuma usar metáforas e parábolas. Em suas palestras, pode citar filósofos, psicanalistas, religiosos e músicos, em uma oratória que lhe é particular. Fala em um tom de voz baixo, mas quase sempre impressiona a sua plateia.
É também o seu discurso que a diferencia de políticos tidos como tradicionais. Seus críticos usam o termo “marinês” para designar sua fala, que inclui expressões como “democracia de alta intensidade” e “sonhático” – como se denominam seus aliados da Rede.
Entretanto, a defesa de Marina de uma nova forma de fazer política agrada a um público cada vez mais insatisfeito com o sistema atual. Com isso, a ambientalista ganhou os votos dos brasileiros que são contra a polarização PT e PSDB.
Foi a única candidata que se beneficiou dos protestos de 2013, que levaram milhares de brasileiros às ruas. Para muitos, Marina representa uma possível mudança e moralização na política.
Em 2011, a ex-senadora anunciou sua saída do Partido Verde, legenda pela qual havia disputado a Presidência da República no ano anterior. Na carta de desfiliação, Marina defendeu a "construção de uma nova política efetivamente democrática, ética, ecológica, participativa, inovadora e conectada com os desafios e oportunidades que o século 21 nos impõe".
Evangélica da Assembleia de Deus, Marina é, por vezes, tachada de “radical”
Meio Ambiente e sustentabilidade
No Senado, Marina Silva ficou conhecida pela defesa das causas ambientais. Ganhou prêmios internacionais e, em 2007, foi apontada pelo jornal britânico The Guardian como uma das 50 pessoas que podem salvar o planeta.
Foi ministra do Meio Ambiente do governo Lula, quando conseguiu reduzir em 57% o desmatamento da Amazônia em apenas três anos. Em 2008, entretanto, pediu demissão do cargo, por conta de dificuldades que enfrentava dentro do governo.
No ano seguinte, deixou o PT, ao qual estava filiada desde o início da carreira política. Segundo carta entregue ao partido, Marina era contra a “concepção do desenvolvimento centrada no crescimento material a qualquer custo, com ganhos exacerbados para poucos e resultados perversos para a maioria, ao custo, principalmente para os mais pobres, da destruição de recursos naturais e da qualidade de vida”.
Chico Mendes
A militância em prol do meio ambiente começou quando Marina era ainda adolescente. Ela havia abandonado o seringal para poder tratar suas doenças e estudar em Rio Branco. No inicio, vivia em um convento, onde perseguia o sonho de virar freira. Para se sustentar, teve que trabalhar como empregada doméstica.
Nessa época, através de adeptos da Teologia da Libertação, Marina conheceu o ativista ambiental e líder seringueiro Chico Mendes. Os dois participariam dos chamados “empates”, ações dos seringueiros e suas famílias voltadas para impedir o desmatamento, através de correntes humanas.
A ex-seringueira, ex-noviça e ex-empregada doméstica entrava de vez para a política. Em 1988, Marina foi a vereadora mais votada de Rio Branco. Ao assumir o cargo, devolveu o dinheiro de gratificações, auxílio-moradia e outras regalias, atraindo a atenção dos concorrentes e eleitores. Era o início de uma carreira política de sucesso.
No mesmo ano, entretanto, a morte voltaria a rondá-la. A luta ambiental levou seu amigo Chico Mendes a ser assassinado na porta de casa. A perda foi um grande baque para a então vereadora.
Mesmo assim, dois anos depois, Marina foi eleita deputada estadual, novamente com votação recorde. E, em 1994, chegou a Brasília como a senadora mais jovem da história da República.
“A Marina é feito bambu: o vento a verga, mas não quebra”, resumiu um amigo próximo, após a morte de Campos, a mais recente perda na trajetória da agora candidata à Presidência.
- Data 21.08.2014
- Autoria Marina Estarque, de São Paulo
- Edição Rafael Plaisant
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