quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Carta de Fernando Müller à Sra. Stahmer (filha de Gottlieb Reif) - Sobre Gottlieb Reif


Uma dos personagens mais  intensos da Colônia Blumenau, mesmo que tenha recebido muito pouco espaço na história formal foi Gottlieb Reif. Por essse motivo, resgatamos sua história e poderá ser lida no livro de nossa autoria  "Fragmentos Históricos - Volume 1, 2020;  na coluna  do Jornal o Município Blumenau - Registro para História, e nesse Blog

Para ler sua história - Clicar sobre: Gottlieb Reif - Momentos importantes da História de Santa Catarina.

Durante a pesquisa, encontramos a publicação de janeiro  de 1986, da Revista Blumenau em Cadernos, onde foi disponibilizada uma correspondência de  Fernando Müller, descrevendo Gottlieb Reif, à Senhora Stahmer.

A carta: 

"São Paulo, 9 de abril de 1972. 

Boa senhora Stahmer! 

A sua estimada carta de 27 de fevereiro de 1972 recebi há alguns dias passados, o atraso aconteceu porque a carta foi primeiro ao Paraná e eu já estava morando em São Paulo. Apresso-me a responder a carta agora. Peço desculpar-me por escrever em alemão, mas este tem o seu motivo. Quando ainda moço, meu pai dizia: - Meu filho, se queres falar com Deus então fale na língua de teus pais, e isto eu cumpri até hoje. 
Parece ser um aviso superior, eu responder a uma carta de uma filha de "Gottlieb" Reif (Querido Deus) de minha cidade natal. Sim boa senhora Stahmer, se o "Liebe Gott" (Querido Deus) não tivesse na enchente de 1880 tido um Gottlieb Reif, a família Ferdinand Müller não estaria entre os vivos, e o nome Müller não seria tão conhecido em Blumenau. Também o velho Daniel Schroeder, cheguei a ver antes da enchente e nunca mais esqueci. O mesmo era um pouco estranho, doceiro e morava em frente à nossa casa na margem direita do Rio na Itoupava. Mesmo a família Bichels conheci pessoalmente; eles mudaram para o planalto serrano após a enchente. As filhas Jenny e Ella Bichels visitei há alguns anos passados por ocasião de minha visita a Blumenau. Naquela oportunidade Dona Jenny ainda contou muita coisa sobre a enchente; ela era oito anos mais velha do que eu, mas lembrava-se muito bem de meus pais. Ao lembrarmos os velhos tempos, lembramos principalmente o valente senhor Gottlieb Reif e de meus pais. Dona Jenny até lembrava-se dos nomes dos cavalos pertencentes a meu pai, pois ela gostava muito de animais. 
Mas agora voltamos ao valente e bravo senhor Gottlieb Reif daqueles tempos. Não tenho certeza se já naquela ocasião ele era proprietário de uma serraria na margem do Ribeirão Fidélis, mas quando eu o conheci pessoalmente ele era dono de uma serraria à máquina de vapor, lá no morro onde mais tarde morou o senhor Paul Zimmermann. Lembro-me quando o senhor Reif foi buscar a máquina a vapor em Itajaí. A máquina foi transportada pela Lancha "Walfisch" até Itoupava Norte, de lá foi transportada pelo Senhor Reíf por um trenó puxado por oito bois. Foi um verdadeiro dia de festa e o professor Schümann deu folga a todos seus alunos para que pudessem assistir o espetáculo. Não só crianças, mas também adultos foram assistir o transporte da máquina, todos ajudaram na travessia da velha ponte da Itoupava e no bar do velho Wilhelm Seeliger festejaram o acontecimento. Creio que por este acontecimento logo foi iniciada a construção da ponte Zimmermann, perto da encruzilhada para o Ribeirão Fidélis, igualmente sobre este ribeirão foi construída uma ponte de concreto que até hoje existe.
 Na serraria do senhor Reif, trabalhava também o jovem Richard Jörg, irmão do também já falecido Emil Jörg. Este jovem Richard tinha por obrigação cuidar dos (2) bois de tração e numa ao cuidar de um boi um pouco rebelde caiu no monte de cepilho que dias antes tinha sido queimado. Mesmo com as chamas já apagadas a brasa no fundo continuava e o pobre queimou-se gravemente. Apesar de ter rolado até às águas do Ribeirão as queimaduras foram tão graves que no mesmo dia o jovem Richard Jörg faleceu... 
Anteriormente eu me referi ao Senhor Prof. Schümann que também foi muito amigo da Comunidade. Senhor Gottlieb frequentemente viajava para a serra e durante uma de suas viagens, a sua filha mais moça Frieda adoeceu e morreu. No enterro o Prof. como de costume falou palavras bonitas e comovedoras, as crianças da escola acompanharam a colega,  somente o  pai não pode estar presente.
Na enchente de 1880, eu tinha um ano e três meses; eu nasci a 3 de junho de 1879 e o ponto culminante da enchente de 1880 foi no dia 2 de setembro como meus pais sempre contaram. Meus pais moravam na margem esquerda da Itoupava em frente a casa da família Bichels onde mais tarde morou a família Alslchen e como contaram a Serraria do Sr. Klaus Steen foi construída por Sr. Reif também. Nossa casa tinha sido construída à margem do Rio e sempre uma canoa estava por perto para emergência. Agora por ocasião da enchente meu pai quis transportar minha mãe, a empregada e a mim e meu irmão para um local mais seguro; no entanto a subida da água não mais permitiu o uso da canoa e com um tiro dado no ar alertou o Sr. Reif que veio em nosso socorro, este veio e nos retirou do telhado da casa. Mais tarde senhor Reif tinha uma serraria na Barra de Itajaí; meu pai transportou muita madeira pra lá e então sempre tomava sua cerveja com Sr. Reif e juntos cantavam canções alemãs. 
Eu fui durante oito anos cozinheiro no Vapor Progresso onde também tinha uma cantina, ali também muitas vezes os dois, tomaram juntos, uma cerveja. 
Senhora Stahmer, espero que este relatório lhe tenha alegrado e envio muitas lembranças,
 atenciosamente. 
Rua Serra do Jairé, 649 - fundos Belenzinho - Capital - São Paulo." 
Fernando Müller
Um Registro para a História.


Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
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