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Para o especialista em política internacional Peter Hakim, movimentos contra o governo Dilma Rousseff são movidos mais por ambição pessoal de políticos do que pelo interesse nacional.
Os partidos políticos no Brasil alimentam um discurso artificialmente polarizado, e parte do eleitorado compra essa ideia e vem adotando um comportamento de clã ou de seita. Essa é a opinião do brasilianista norte-americano Peter Hakim, presidente emérito do Instituto de Análise Política Inter-American Dialogue, com sede em Washington.
Na atual crise política que o governo Dilma Rousseff se encontra, Hakim alerta que um processo de impeachment poderia deixar as instituições mais fracas e até prejudicar as investigações da Operação Lava Jato. Confira os principais trechos da entrevista concedida à DW Brasil.
A volta da democracia completou 30 anos em 2015. Ao mesmo tempo, o cenário político brasileiro vive um período de instabilidade profunda na economia e na política. Como o senhor avalia a situaçãoatual?
É extremamente desencorajadora. O país sofre com corrupção, a fraqueza das instituições, e os problemas na economia, mas ainda assim existe muito exagero. Parte desse exagero pode ser atribuído ao "oba oba" que se fez sobre a situação do Brasil nos anos anteriores, quando se falava que o país iria decolar e deixar todos os problemas para trás. O Brasil já experimentou muitas crises no passado, e desta vez está mais preparado para lidar com elas. A imprensa em parte é responsável por isso, porque adota perspectiva de que as coisas só podem estar indo bem ou estar indo mal.
O atual modelo de presidencialismo de coalizão está esgotado ou o problema foi como este governo lidou com esse sistema?
A política do Brasil há muito tempo é bagunçada e errática. Não há nada de novo aí. É um sistema que favorece a multiplicação de partidos sem qualquer ideologia. Esse modelo nunca foi muito bom. Lula e FHC eram talentosos para lidar com esse sistema, mas falharam ao não reformá-lo. O sistema político brasileiro vem sendo mantido nos últimos anos da mesma maneira que os cubanos mantêm velhos carros americanos funcionando: no improviso e sem qualquer perspectiva de melhora. Dilma claramente não tem a engenhosidade de Lula e de FHC para lidar com o sistema, mas seria impossível contar com superlíderes todo o tempo para administrar tudo. Não é toda hora que aparecem Mandelas ou Churchills. Por isso que é importante fortalecer as instituições para que líderes não tão talentosos possam conseguir tocar a máquina governamental. As instituições são cruciais, e não a liderança em si. E, infelizmente, as instituições políticas brasileiras são fracas.
Por que a política brasileira se tornou tão problemática e polarizada? Existe um clima de ódio na política?
É uma coisa curiosa, já que na última eleição Aécio Neves e Dilma tinham mais similaridades do que diferenças. Não era como a direita e a esquerda no Chile, ou os republicanos e democratas nos EUA. Ambos falavam na última campanha em manter programas sociais e na necessidade de um ajuste fiscal. O incrível é como a grande política no Brasil é pouco ideológica em comparação com outros países. Ainda assim uma polarização se instalou nos eleitores.
No Brasil, os partidos – especialmente o PT e o PSDB – parecem ter identificado um filão eleitoral em cada classe e passaram a alimentar um discurso da diferença que no âmbito partidário é totalmente artificial. E parte do eleitorado brasileiro engoliu isso e vem adotando um comportamento de clã ou de seita. Só que, ao mesmo tempo, políticos trocam de partidos sem qualquer dificuldade, demonstrando que a política brasileira na realidade é extremamente flexível. O que realmente está em jogo agora não é ideologia ou a forma de governar, mas a ambição de alguns políticos. São eles que estão alimentando isso. Além da crise no governo, existem várias brigas no momento para ver quem vai controlar o PT, o PSDB e o PMDB.
O senhor acredita que o impeachment de Dilma Rousseff pode prosperar?
Até o momento não apareceu nenhuma prova de que Dilma tenha tido envolvimento pessoal com algum caso de corrupção. Então qualquer processo de abertura de impeachment será meramente político. O Brasil nesse ponto não é diferente de outros países. Só que a ideia de um impeachment atualmente levanta mais dúvidas do que certezas. É possível que aconteça, mas não há qualquer discussão de alto nível sobre o que vai acontecer se Dilma cair ou até se sobreviver. As lideranças políticas não estão se posicionando efetivamente sobre nenhum dos cenários.
Alguns oposicionistas apostam que protestos de rua marcados para este mês podem ser o gatilho para forçar o início de um processo de impeachment, como no do ex-presidente Fernando Collor. Isso pode se repetir com Dilma?
Pode ser um gatilho para o início de um processo. Os manifestantes podem reunir alguns milhares de pessoas, mas o desfecho mesmo vai ser decidido entre as lideranças políticas por meio de manobras. E nesse ponto as ruas não vão desempenhar um papel importante. Mesmo com a pressão de manifestantes, não devem ocorrer consequências mais graves se houver algum acordo e Dilma conseguir permanecer no poder.
O impeachment pode parecer uma saída fácil assim que você começa a flertar com a ideia, mas, na realidade, um processo desses pode deixar as instituições mais fracas e até pode ajudar a bagunçar as investigações da Lava Jato. Seria muito útil se figuras de peso da política, até dentro do próprio PSDB, pudessem encontrar um terreno comum com figuras do PT para negociar uma saída satisfatória para essa crise que não passasse pelo impeachment.
Como o senhor avalia a oposição brasileira? O PSDB, por exemplo, recentemente votou contra uma série de medidas que pregava no passado, como o ajuste fiscal e a reeleição. Os oposicionistas estão fazendo oposição pela oposição?
Os partidos brasileiros não são siglas ideológicas, são veículos para que algumas pessoas possam dar vazão para suas ambições pessoais por poder. A oposição a Dilma não tem sido ideológica. É na verdade uma frente onde personalidades têm desempenhado um papel desproporcional. Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin, por exemplo, têm cada um uma agenda particular. Não estão fazendo oposição que tenha relação com o interesse do país. Seus cálculos nao têm qualquer relação com uma saída satisfatória da crise, mas quem entre eles vai ser o próximo presidente.
Quais são as saídas para a crise? Dilma vai conseguir contornar a situação ou já perdeu o controle dos acontecimentos?
No momento eu acho que a saída não está nas mãos de Dilma. Uma figura como Lula poderia agir sozinho para sair dessas, mas Dilma definitivamente não tem os meios. O que ela precisa agora é de apoio de outros políticos e partidos para negociar um acordo e estabelecer uma maneira de manter o governo em funcionamento. E se ela não conseguir formar uma nova base, então vai ficar totalmente à mercê da generosidade de grupos que vão concluir que talvez sua saída não seja vantajosa. Não depende mais só dela.
- Data 12.08.2015
- Autoria Jean-Philip Struck
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