Nossa entrevista, na íntegra, no boletim Der Hut, esclarece um pouco o início deste trabalho no Blog e com a cultura e história locais e regionais.
Angelina e sua causa teuto-brasileira
Através de seu Blog e de ações sócio-culturais Angelina Wittmann realiza a valorização da história, memória e identidade no Vale do Itajaí.
Um trabalho de fôlego. Este é o mínimo que se pode dizer das ações promovidas por Angelina Wittmann, arquiteta, pesquisadora e amante da cultura teuto-brasileira. Fazer um histórico de sua caminhada é também conhecer um pouco da preservação do patrimônio material e imaterial do Estado de Santa Catarina. Através de seu blog e produções audiovisuais ela dialoga com a comunidade do Vale do Itajaí , além de ser fomentadora de atividades culturais e da preservação da memória regional.Veja abaixo alguns pontos da entrevista concedida por ela ao Boletim Der Hut.
DER HUT: Como, Angelina, tiveste os primeiros contatos com a cultura alemã?
Angelina: O meu primeiro contato com a cultura alemã foi no ano de 1969, quando minha família foi residir no extremo oeste do Estado de Santa Catarina, na cidade de São José do Cedro – cidade fundada por migrantes de famílias alemãs e italianas oriundas do estado do Rio Grande do Sul.
DER HUT: Quando começaste o teu trabalho de divulgação da cultura alemã? O que te motivou a isso?
Angelina: O meu trabalho de divulgação da cultura e identidade alemã iniciou naturalmente, independentemente da profissão de arquiteta e urbanista – depois que me formei, este assumiu outro aspecto.
Quando me tornei mãe (Metade da década de 1980), me preparei para isso e deliberadamente observei o berço cultural da cidade que morávamos, da família e repassava às crianças, como parte de sua educação.
Com isso, fui também criando um vínculo com a cultura da cidade de Blumenau e região que na verdade, era o berço cultural dos meus filhos e do Roberto, que possuem cidadania alemã. Eu cheguei em Blumenau em 1981 – uma cidade que possuía identidade própria, o berço cultural de minha família, fundada por alemães e com práticas herdadas daqueles que a construíram.
Nesse meio tempo (Início da década de 1990) iniciei o curso de Arquitetura e Urbanismo, onde um dos principais objetos de estudo foi o espaço da cidade – tornei-me uma pesquisadora da cidade e das cidades. Com isto, tornei-me mais crítica e percebi que a cidade de Blumenau, paulatinamente vinha perdendo sua identidade a partir de algumas práticas, das quais eu discordava e ainda discordo (Agora como urbanista). A identidade local é formada a partir de várias questões, como: sociais, históricas, culturais, geográficas e econômicas, muitas vezes passadas desapercebidas. Tudo isto com foco na gastronomia, música, dança, arte, arquitetura, jardins, cidade, rios, enfim: hábitos e costumes. Quanto mais eu percebia a movimentação da descaracterização da identidade da cidade, mais sentia-me sem condições de poder contribuir.
Atenta às movimentações e algumas vezes, querendo fazer alguma coisa e não podendo, para tentar reverter o quadro, comecei a escrever artigos – cartas para o jornal local, manifestando sugestões, opiniões e alertas. O jornal nem sempre é imparcial e em alguns momentos tinha a prática da censura e definindo o que é publicado. Geralmente minhas palavras eram editadas, e o sentido de nossa manifestação era modificado.
Veio a era digital, onde descobri que cada um de nós poderia contribuir e se envolver com questões culturais e outras tantas, bastava ter uma conduta, disciplina, norte. Tornei-me blogueira – blogueira da madrugada. Isso aconteceu em maio de 2010. Meu objetivo era compartilhar a história local e os feitos culturais daqueles que não “apareciam” e eram importantes para o conjunto da cidade, da região, do país.
DER HUT: Quando iniciaste esse trabalho qual foram os teus principais desafios? E hoje esses desafios se mantém, ou há novos?
Angelina: O trabalho mesmo, de fato teve início quando me tornei pesquisadora da área das cidades, abordando sua identidade e cultura. Tentando compreender determinadas questões, buscava preencher as lacunas que precisavam através da pesquisa, que hoje, na era digital é muito fácil, através do estar conectado.
Quanto a cidade, criei um slogan que sintetiza isso muito bem: Quem conhece, gosta. Quem gosta, cuida!
Ao conhecer a história e elementos das cidades, as pessoas que chegam de outras cidades e realidades criam vínculo, como eu mesmo criei ao participar da educação de meus filhos – na cidade de Blumenau.
Os desafios? A maturidade adquirida com a pesquisa me fez compreender que jamais terei êxito nas buscas de meus objetivos, pois a falta de educação é muito grande (a partir da educação formal) e os valores são outros do que aqueles que compreendemos necessários para formar um espaço saudável realente para a sociedade que vive nele.
O desafio é poder modificar alguma coisa, ou contribuir com alguma coisa, uma partícula, construir “pontes” como essa que fazemos entre os nossos meios de comunicação. Atualmente termino um livro sobre Fachwerk e talvez esse seria o desafio do presente – publicá-lo.
Temos que movimentar e tentar contribuir um pouco com a nossa comunidade – dentro do âmbito da cultura é muito prazeroso.
DER HUT: como vês as mudanças ocorridas na Oktoberfest de Blumenau nos últimos 10 anos?
Angelina: A festa assumiu a estrutura de uma empresa, que na verdade já era, com algumas diferenças – onde as práticas culturais locais, assumem o palco e mostram sua identidade e atividades ao visitante e também possibilitam as pessoas se divertirem. Também ocorre o real intercâmbio com grupos culturais atuais da Alemanha, o que permite ainda, a chegada de imigrantes alemães na atualidade. Muitos decidem continuar residindo na região.
No quesito Oktoberfest – quem faz a festa, como por exemplo – grupos culturais, cantores e músicos tem o acesso liberado através da credencial – faz parte da festa e participa gratuitamente. O blumenauense também pode ir na festa com mais tranquilidade e até gratuitamente – com dias especiais – onde as entradas são reduzidas e também, com acesso livre.
Dentro desse novo sistema, criou-se uma maneira de contornar o grande público o qual vinha aumentando sistematicamente na década de 1990 e 2000 e colocava a qualidade da festa em risco.
Neste ponto, também observo que a festa aumentou a autoestima daquele que faz a manutenção da cultura alemã na região e na cidade – muito comprometida em função do bullyng oficial impetrado na época do período do nacionalismo na região.
Quanto ao aspecto segurança, qualidade, e frequentadores, na minha opinião, a festa melhorou muito.
O espaço, não! Mas já estava comprometido, antes dos 10 anos.
DER HUT: A cidade de Blumenau desde o crescimento das Festas de Outubro ganhou visibilidade e acréscimo de turistas, além de moradores. Como você vê o impacto do aumento populacional na cidade? A identidade alemã se pronuncia na arquitetura dessa nova Blumenau?
Angelina: Esta questão foi uma das que mais me motivou a escrever,enquanto arquiteta urbanista – afinal: “Quem conhece, gosta. Quem gosta, cuida.
A partir das festas, muitas pessoas procuraram a cidade “‘bonitinha”, aparentemente bem estruturada, sem desemprego, sem problemas, com jardim nas casas e o ar de “cidade fofinha” – que na verdade é resultado de uma herança cultural que muitas vezes é muito diferente da cultura da família que está chegando para residir na cidade, para ocupar um emprego e ganhar dinheiro para sustentar sua família – não há vínculo emocional entre a família que chegou e a cultura da cidade, por mais que foi – em parte – isso que a atraiu.
Os laços de afinidades e integração histórico cultural precisam ser construídos e alimentados ou então, acontecerão os conflitos sob vários aspectos, inclusive – o espacial.
O espaço da cidade, enquanto produto, passou a assumir outros valores – bem mais altos em sua mais valia, e atraiu os investidores externos. Por exemplo há incorporadores de Curitiba – fazendo negócios e construindo seus edifícios em Blumenau. Seu escritório, continua em Curitiba, e volta sua linha de produção para Blumenau – porque é lucrativa, onde inicia uma construção de edifícios (Geralmente em terreno há patrimônio histórico arquitetônico) sem uma regularização eficiente por parte da administração pública, que muitas vezes, encontra nesse investidor uma parceria interessante em algum projeto local.
Isso tudo acontece com outros muitos empreendedores da construção civil. Atualmente há um mar de edifícios novos vazios na cidade de Blumenau, onde alguns oferecem até a cozinha montada como brinde na compra de uma unidade.
A cidade está bastante comprometida e descaracterizada e o poder público assiste. Observem o Google Earth – há 10 anos atrás e hoje e compreenderão o que estou apontando.
A estrutura da cidade? É a mesma, com a diferença que estão para inaugurar uma nova via que vai dividir bairros muito adensados da cidade de Blumenau, e que receberá o fluxo rápido oriundo da nova ponte de Badenfurt (entrada oeste) e é quase certo que teremos os problemas existentes e criados, na década de 1990, na região norte. A cidade recebeu todo tipo de impacto, sem a devida adequação.
Menciono essas questões como arquiteta e urbanista.
Logo não teremos mais patrimônio material que comprove a história dos pioneiros, não somente alemães, mas também italianos, na paisagem. Nunca se demoliu tanta história em Blumenau do que o último ano.
DER HUT: Tem alguma questão que gostarias de colocar aos nossos leitores, para destacar boas iniciativas na comunidade Teuto-brasileira?
Angelina: A paisagem construída reflete a prática e interações culturais e sociais do local. Por isto, nunca, uma cidade poderá ser igual a outra cidade. Considerando que, no mínimo – o sítio não é o mesmo. A paisagem é o resultado das interações de uma sociedade no sítio/lugar. Lembramos que a sociedade pode ser um “coquetel” de etnias e o resultado final acontece a partir do intercâmbio das várias culturas presentes no local. Portanto a cultura alemã em território brasileiro, não é a mesma com os mesmos resultados em todos os locais e regiões que fundaram cidades. Varia de região para região e também, da origem dos alemães na Alemanha, de que região que vieram. Lá também acontece este mesmo processo, portanto, nem todos os alemães da Alemanha, também tem os mesmos hábitos e costumes.
Aqui no Brasil, se as práticas forem semelhantes ou iguais, é porque algo não está dentro do processo natural do homem dentro do meio que vive. Este pode estar sendo “usado” por um sistema maior e individualista. É Produto!
Partindo de um pressuposto – que somos felizes quando nos sentimos na “casa da Oma”, “ da Vó” ou “da Nona”, porque nos lembra a segurança e gostosuras da infância. A cidade, como uma grande casa, deve manter a “casa da Oma”, no entanto, as práticas culturais – devem permanecer como algo agradável, de lazer e docemente familiar, repassado de pai para filho.
A partir da arquitetura – uma de nossas profissões – observamos os espaços da cidade a partir de estudos e percebemos que estes não atendiam, ou não atendem mais o grupo de pessoas primitivas que os construíram quanto a sua função. Aqueles que chegam não tem vínculo sentimental e afetivo com os exemplares do patrimônio histórico arquitetônico e também, com a sua história e cultura locais. Por muito pouco, mudam os espaços da cidade descaracterizando-a. Falamos de realidade brasileira. Na Alemanha e em outros países europeus, não ocorre esta prática – pelo menos atualmente.
Agradeço muito a oportunidade de revisar esses valores que pautam nosso trabalho e fico muito feliz em saber que estão fazendo seu trabalho também em Porto Alegre e região – para o mundo através dessa ferramenta incrível que a web. Não estamos sós.
Abraços,
Angelina Wittmann
Foto: Abertura do Oktoberfest Blumenau 2017 – Dia 4 de outubro. Cônsul Honorário da Alemanha de Blumenau, esposa e filhos – Hans-Dieter Didjurgeit e Ângela Didjurgeit, Embaixador da República Tcheca – Jiri Havlik, Presidente da Fundação Cultural de Blumenau – Rodrigo Ramos, Embaixador da Alemanha no Brasil e esposa – Georg Witschel, Consul Honorário da Áustria em Blumenau – Mauro Kirsten, Consul Honorário a República Tcheca em Blumenau – Rafael Rafael Thales de Freitas. Angelina com Dirndl preto ao centro.
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