quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Hermann Bruno Otto Blumenau - De 1819 até 1846 - Sua carta.

Foto: Montagem de duas  fotos da Fundação Cultural de Blumenau
Sra. Cristiane Sofia

Sr.
 Hermann Bruno Otto Blumenau nasceu em Hasselfelde, no ducado de Brunswick - Alemanha, em 26 de dezembro de 1819. Sr. Blumenau e seus cinco irmãos eram filhos do Sr. Karl Friedrich Blumenau e da Sra. Cristiane Sofie Kegel. Seu pai ocupou o cargo de chefia  das guardas de florestas e minas do ducado. 
As imagens seguintes de  Hasselfelde, mostram a ferrovia presente na cidade natal do Sr. Blumenau - Trouxe consigo este ideal para a colônia que fundou no Brasil.



Primeira Estação Ferroviária de Blumenau - início do Século XX - Estrada de Ferro Santa Catarina inaugurada somente 60 anos depois da fundação de Blumenau
Foto livro:  A Ferrovia no Vale do Itajaí - Estrada de Ferro Santa Catarina

Continuando...

Dr. Blumenau ingressou na escola da vila com seis anos de idade, onde permaneceu até os 10 anos de idade - 1829 - quando ingressou no pensionato da Shoppenstadt - cujo diretor era o Pastor Götting, em  Großwinnigstedt. A intensão era ingressar em um instituição com estudos de maiores níveis. Ficou doente quando tinha 12 anos, quando ficou com a audição comprometida e teve sequelas para o resto da vida. Neste mesmo local, com 13 anos, em abril de 1832, fez a Confirmação - Igreja Luterana. Algumas semanas depois, mudou-se para a capital do ducado para estudar na Escola Martino Cathatinenseum.
Ducado de Brunswick
Em outubro de 1836, com 17 anos, trabalhou no seu primeiro emprego em uma farmácia, como aprendiz. Trabalhou na farmácia do Sr. Hampe - em Blanckenburgo, por um período de um ano, quando mudou-se para a cidade de Erfurt e tornou-se aprendiz do famacêutico Koch.
Erfurt
Fritz Müller
Neste tempo também esteve na farmácia de Hassenfelde - cidade onde nasceu, e também esteve estagiando na farmácia de Salzuffeln. Em janeiro de 1842, Sr. Hermann Tromsdorff convidou Sr. Blumenau para trabalhar em sua fábrica de produtos químicos, em Erfurt. Nestes tempos conheceu Alexander Von Humboldt e Dr. Fritz Müller - o mesmo Fritz Müller, naturalista, professor, matemático, filósofo, entre outras atribuição, que o Dr. Blumenau, praticamente expulsou da Colônia Blumenau, por sua opção religiosa - Ateu
Para Ler mais clicar sobre: Fritz Müller

Sr. Johann Jacobs Sturz
Com os dois amigos - Humboldt e Müller, aprendeu a ter apreço pela natureza ter curiosidade de conhecer as terras na América. No final do ano de  1843, durante uma viagem a trabalho a Londres - para conseguir patente de invenção para os preparados químicos e a autorização para a venda dos mesmos. Em Londres conheceu o Cônsul Geral do Brasil, na Prússia, Sr. Johann Jacobs Sturz. Deste, ouviu muitas histórias e "vantagens" de se morar no Brasil. Ouviu narrativas sobre a natureza do Brasil e um pouco da propaganda, que neste período, o governo brasileiro fazia na Alemanha e em outras partes da Europa, como Itália, com o objetivo de acelerar a povoação do sul Brasil, região que sofria ameaças de forças armadas vizinhas e poderiam ser disputadas com as províncias espanholas que ambicionavam a região. 
Não poderia pedir ajuda a Portugal, pois acabaram de se libertar deste país, conquistando sua independência no ano de 1822. 

Universidade de Erlangen
Curioso, é constatar que, após o encontro com diplomata brasileiro -  Sr. Sturz, em Londres, o Sr. Hermann Blumenau demitiu-se da fábrica de produtos químicos e fez sua matrícula na Universidade de Erlangen, na cidade de Nürnberg. 

Por que? O que conversaram? O que o fez mudar de planos e buscar a formação de Doutor? 

Durante o tempo que esteve na universidade, pesquisou sobre imigração e colonização no Brasil, procurou conversar com brasileiros, pesquisou a história do Brasil e a movimentação de colonização que já estava acontecendo de seu país para o Brasil. Formou-se químico, em 1946. Mesmo não tendo terminado o ginásio.
Nesta época, chegavam notícias na Alemanha, que o governo brasileiro propagava as "maravilhas" do Brasil na Europa, e prometia subsídios para atrair os imigrantes para trabalhar e povoar o sul. Parte destas promessas não eram cumpridas. Foi publicado um livro na época, com o Título: O Rio de Janeiro como é - de autoria do Sr. Schlichthorst. É uma narrativa de 1824, com relação aos primeiros alemães que desembarcavam no Brasil e eram obrigados diretamente a se alistarem no exército brasileiro. Sr. Schlichthorst, imigrante alemão, foi um ex-oficial do Imperial Exército Brasileiro. Desembarcou no Rio de Janeiro em 14 de abril de 1824, servindo no período de 1824 a 1826, quando retornou a sua terra natal. De certa maneira, Dr. Blumenau não faz narrativas muito positivas da capital no Brasil, em sua terceira carta (Final da postagem) aos seus pais na Alemanha.

Atento aos ecos que chegavam do Brasil, referente a situação dos alemães emigrados, o governo Alemão criou a "Sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães" - 1845/1846 - com sede em Hamburgo ou ainda -Colonisationsvereins Hamburgo. Sr. Blumenau, com intenções de conhecer o Brasil, oportunamente candidatou-se e tornou-se um agente/fiscal do governo alemão desta sociedade. E de fato, como representante desta e do governo alemão, visitou colônias de imigração alemã nas Províncias do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande, que já recebiam imigrantes alemães, de maneira organizada, desde o ano de 1824. 

Em abril de 1846, embarca, a trabalho, como representante do governo alemão - agente da Sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães, para o Brasil. Despediu-se de seus pais e embarcou no veleiro Johannes, no porto de Hamburgo

Viajou por mais de dois meses e chegou no Rio Grande  em 19 de junho de 1846. Visitou alguns locais, fazendas e fez pesquisas para seu projeto pessoal, narrado, através de correspondência, para seus pais na Alemanha - tradução no final da postagem.

O Sr. Hermann Bruno Otto Blumenau ouviu alguns conterrâneos seus, no sul do Brasil, pesquisou possibilidades de negócios e fez contatos. Depois seguiu para a capital do Brasil - a cidade do Rio de Janeiro. Permaneceu na cidade do Rio de Janeiro, por aproximadamente 8 meses. 
Rio de Janeiro em 1843
Rio de Janeiro -  II Metade do século XIX
Neste tempo articulou e procurou conhecer toda a tramitação para efetivação da imigração e colonização de terras, bem como suas vantagens e desvantagens. Também estudou clima e a geografia de algumas províncias do Brasil. Em abril de 1847 embarca para Nossa Senhora do Desterro, capital da Província de Santa Catarina, a partir da qual, visitou a Colônia de São Pedro de Alcântara, primeiro núcleo de imigrantes alemães na Província, fundada em 1829. Neste momento, Sr. Blumenau ouviu pela primeira vez, falar da região do Vale do Itajaí, para a qual voltou toda sua atenção nos tempos seguintes.

Monumento na cidade de Hasselfelde - Alemanha -
Homenagem ao Dr. Blumenau.
Detalhe
Curiosidades:



Curiosidade - Blumenau em Cadernos de 1958 - Uma forte Característica de sua Personalidade do início de sua História no Brasil - Se adequar - Deferentemente de seu amigo, que abandonou um curso de medicina  por não concordar com o juramento em nome de Deus.
 Carta do Dr. Blumenau - 1846
Publicada no Blumenau em Cadernos de 1964 - Tomo VI - N° 3

A Carta do Sr. Blumenau data de 1846  e ilustra este primeiro contato dele com o Brasil, enviado para seus pais, na Alemanha.

Segue...
Sr. Hermann Otto Blumenau
"Depois de ter me referido a assuntos em geral, quero agora fazer-vos destes mais detalhadamente, mesmo que eu, de novo, não possa escrever como desejaria, por ter muito o que fazer e estar com a vista bastante afetada.
Preciso adiar ainda um relatório extenso, para quando tiver mais tempo e estiver melhor ambientado. Agora, portanto, só assuntos,  esparsos da minha vida e atividades, desde a minha chegada ao Rio Grande, de onde só lhes mandei duas cartas mensagens, por não me ter sobrado tempo para comunicações mais demoradas e ainda pela razão de ter sabido, tardiamente, da partida dos respectivos navios.
Viajei de vaporzinho do Rio Grande a Pelotas, situada a noroeste, no rio São Gonçalo, que liga a lagoa Mirim com a dos Patos. a passagem levou  cinco horas e foi agradável. As ribanceiras do rio são baixas e pouco pitorescas, mas de longe, no noroeste, aparece uma linda cordilheira azul, a Serra dos Tapes. Nas margens do Rio São Gonçalo, vi, pela primeira vez, uma capivara entre os juncos, uma espécia de animal que se assemelha ao hipopótamo em dimensões menores, vivendo quase sempre dentro  dágua, tem o tamanho de um porco pequeno. Avistei também algumas espécies de pássaros esquisitos.
O comendante do vapor, amável conterrâneo, permitiu-me pernoitar a bordo, onde eu, sob o meu casacão, dormi regularmente bem. No dia seguinte, mandamos chamar um outro alemão, bem conhecedor da região - uma espécie de tropeiro - para conversar com ele sobre uma incursão ao interior, que eu pretendia fazer, indaguei sobre tudo que me interessava, tirando informações valiosas. depois andamos pelos arredores, onde cheguei a conhecer muita coisa que me era novidade e que observei com grande interesse.
A vegetação, particularmente, era para mim estranha novidade, as palmeiras, os arbustos de mamona, cactáceas da grossura de uma perna e com 12 a 6 pés da altura, ficus-índica, uma outra qualidade de cactus aproveitada para sebes, enfim não sendo muito fértil a região, muita novidade apresentava para mim.
Bem do lado, onde atracava o vapor, encontrava-se uma charqueada, onde é preparada a carne-seca salgada, e onde estavam sendo secados os couros e procedido o aproveitamento da gordura. Tais charqueadas se estendem ao longo do rio, no percurso de duas horas, sendo que as maiores aproveitam, diariamente, 300, 400 e até 600 cabeças de gado. a vista e o cheiro dessas charqueadas são horríveis - sangue, ossos, carne apodrecida e peles, estômagos e intestinos em decomposição em toda parte, pesteando o ar. Os chifres, ligados ainda a uma parte dos ossos da testa são aproveitados para cercados, dentro dos quais são mantidos porcos e outros animais que, parcialmente se alimentam de sobras de carne. Onde quer que se pise, para onde quer que se vá, sempre o mesmo aspecto de sangue, estômagos apodrecidos e mau cheiro. fiquei deveras contente quando de lá saímos, por mais interessante que o assunto fosse. Os proprietários dessas charqueadas, os "charqueadores", são geralmente gente bruta, principalmente enriquecidos nos últimos tempos. Se a paz for restabelecida no país vizinho, para o que as expectativas atualmente são boas, o lucro torna-se-á menor, mas sempre ainda bastante compensador.
Mais tarde visitei ainda um negociante alemão, que me acolheu muito bem, tendo me oferecido pouso e um cavalo, dispondo-se a fazer uma excursão comigo. andei depois por ali assim, tendo visto pela primeira vez, um lindo pomar de laranjeiras, que apresentava um esplendido aspecto., as árvores de ramagem escura e copa arrendondadas, onde apontavam as maravilhosas frutas que estavam justamente amadurecendo. É um belo espetáculo observar-se os pomos dourados, um perto do outro, às centenas! Os pés já produzem no seu quinto ano e consta que,  já no décimo ano dão 4 a 6 mil frutas anualmente (Propaganda para os conterrâneos!). No interior me afirmaram que há laranjeiras de 8 polegadas de diâmetro de renderiam seus 4 a milhares de frutas por ano e teriam apenas 8 anos. 
À noite, encontrei em casa do Sr. Claussen ainda alguns brasileiros, todos já um tanto alcoolizados, com os quais palestrei a respeito de minha excursão, sobre a qual, depois de muita discussão, finalmente nos entendemos. Mais tarde, ainda apareceu um grupo de jovens, fantasiados de polacos e poloneses, dançando a polca ao compasso de uma esquisita, ms bonita modalidade de música, que era novidade para mim:  uma pequena flauta com acompanhamento de pandeiro. após os outros terem ainda "champanhado" vastamente e eu meditado sobre os meus planos para o dia seguinte, fomos dormir. Subi a minha cama de campanha e cobri-me com um cobertor e o meu casacão, dormindo bem até o raiar do dia, quando o meu comandante veio do vapor buscar-me para o início da jornada à Serra dos Tapes.
começou então a balburdia. O gerente da casa de hospedagem Claussen e alguns fazendeiros ali hospedados, todos ainda sob o domínio das consequências da champanha, não encontravam meios de se acordarem. verifiquei também que havia cavalo para mim, mas que não havia arreios. Tive que andar para lá e para cá e isso com os negros na sua insuportável moleza. Era de enlouquecer, Finalmente , passadas quatro horas, estávamos prontos para partir, isto é, o comandante e eu, pois todos os demais estavam de ressaca, o que não mais me desapontou, convicto, como fiquei, de que eles só estorvariam os meus propósitos.
Através de uma região de terras baixas, por vezes pantanosas, dirigimo-nos, montados nos nossos cavalos, em direção noroeste, ao encontro da montanha.
Três horas distantes da cidade, na propriedade de um amigo do comandante, pretendíamos trocar de cavalos. Não o encontrando, entretanto, em casa tivemos que continuar nos mesmos animais, que não eram lá muito bons. Um pouco adiante paramos em um estância para nos refrescarmos. O proprietário também não estava em casa, mas sim  a patroa e uma irmã dela, ambas chinas, ou índias, com olhos um tanto oblíquos, pele amarelada e cabelos pretos muito compridos. Como fosse domingo, estavam elas bem arrumadas, com vestidinhos bonitos e modernos, os cabelos penteados e bem trançados.  Interessante era o contraste destes requisitos da civilização com a absoluta ausência de bons modos. uma delas puxou as pernas, com a maior naturalidade, para cima do banco, encostando o queixo nos joelhos, enquanto a outra, penteando uma criança, falava com o meu companheiro ao mesmo tempo que, com o pente, palitava os dentes.
Lá tomei pela primeira vez o chá mate (erva mate) a folha de um arbusto em forma de árvore, a qual é torrada e socada. Sobre certa porção desta erva, se põe água fervendo (e açúcar quem quiser), sugando-se o líquido através de um canutilho de folha de Flandes, ou ouro, que termina em uma pequena bola perfurada, que se coloca dentro do chá. De início é fácil queimar-se a boca, como a mim aconteceu, mas depois saboreia-se com gosto esse chá e também sem açúcar, o qual, segundo se diz, muito mais saudável. É preparado sempre na casca de uma pequena abobora garrafa, do tamanho de uma mão fechada, às vezes enfeitadas com lindas decorações de prata.. Suga-se enquanto tiver chá. Depois, vem uma negra, pega a cuia, e despeja nela novamente água fervente e assim a cuia continua a rodar, não se devendo limpar, de maneira nenhuma, a bombilha, mesmo tendo saído, talvez, da boca de um vizinho bastante sujo, porque isto seria interpretado como ofensa. Quando o mate perde o gosto, é jogado fora e coloca-se nova porção de erva.
De lá partimos, após agradecimentos pelo gentil acolhimento, efusivos mas formais, tendo alcançado, após várias horas, na colina anteposta à serra outro amigo hospitaleiro, numa propriedade maravilhosamente bem situada, fazendo jus ao nome: "Muito Bonito".
Fomos acolhidos com muita gentileza e dignidade, tendo eu experimentado  aí, pela primeira vez, uma refeição à maneira nacional: carne de vaca, bem picadinha, com toucinho. O prato é acrescido de farinha de mandioca )produto conseguido pela raspagem, prensagem  e torração da raiz de mandioca) que se mistura à carne, e de que eu gostei muito, jantando-se ainda laranja à vontade.
A permanência ali foi muito interessante. A propriedade é muito bonita, um quarto de légua quadrada, totalmente cercada de laranjas e outras frutas. Mandei pedir informações pelo valor aproximado da mesma, obtendo a resposta que, ao preço de 12.000 dólares (18.000 Thalers) estaria certamente à venda. Seria uma propriedade para um agricultor abastado (Interesse nos negócios de terras). Fica à seis horas de viagem da cidade e do porto de Pelotas, margeada de boa estrada. Lá encontrei, por primeiro, as variedades de laranjas (ou da nossa "Apfelsine", de casca alaranjada), das quais existem diversas espécies de tamanhos e gostos diferentes, assim como acontece com nossas maçãs.
Tem aqui, uma laranja lima, de casca amarelo-claro, cor de limão,  doce, mas um tanto insonsa, a lima de umbigo e a bergamota (da qual se obtém o óleo de bergamota) que também é doce mas nada de gosto especial. As limas são inferiores às laranjas no gosto, mas tem a vantagem da produção durante todo o ano, enquanto a laranja é apenas de seis meses. Depois há  o limão, do qual também existem várias qualidades, alguns bem maiores e bastante mais ácidos do que o nosso limão, e por fim as qualidades azedas (cidras) que na Alemanha, chamamos de  "Pommeranza" ou laranja azeda.
Havia ainda outras árvores frutíferas, como figos,  pêssegos, pinheiros,  (que dão uma qualidade de nozes) como ainda cana de açúcar, batatas, etc. (Vegetais que vi ali pela primeira vez). além disso havia uma porção de arbustos floridos, mesmo sendo inverno na época, principalmente uma espécie de acácia de flor grande purpúrea quase escarlate.
Foi uma pousada agradável, aumentada ainda pela gentileza simples e agradável, mas de grande dignidade, daquela gente.
Depois de termos consumido farto almoço, chupado laranjas e tomado café para finalizar, partimos ao encontro de outro amigo ainda, o qual mora a várias léguas de distância, na montanha.
Anoiteceu entretanto, e nos vimos obrigados a pernoitar a uma milha de distância do nosso destino, em outra fazenda localizada mais esplendidamente ainda do que a "Muito Bonito". Fomos bem recebidos e nos serviram, a pedido de meu companheiro, ainda um pouco de linguiça e farinha, pois eu estava com bastante fome. O leito era duro e a noite gélida, e como tivéssemos apenas nossos casacos para nos cobrir, senti um pouco de frio, mas, mesmo assim, dormi muito bem. Durante a noite, os moradores daquela fazenda começaram a tarefa  de descascar raízes de mandioca para o preparo da farinha, ao clarão de enormes tochas. Não havendo mais sossego, nos levantamos e observamos, por algum tempo, a faina. Depois pegamos as nossas montarias, o que levou bastante tempo e partimos, após os merecidos agradecimentos.
No alto dos morros havia geado fracamente,mas nos vales, a camada era mais grossa, e havia gelo da  grossura de um dedo nas poças dágua que, entretanto, derreteu muito depressa.
Foi uma magnífica manhã fria e eu mesmo, com região glútea bastante prejudicada, me encontrava em rósea disposição. Depois de duas horas, chegamos à fazenda do Senhor Serafim Barcelos, onde o meu companheiro, lutando entre um grupo de revolucionários, se encontrara aquartelado por diversas vezes.
Fomos recebidos com a mais gentil cordialidade, e fizemos passeios de reconhecimento pela região e pela fazenda, tendo eu recebido muitas informações sobre produtos agrícolas, agricultura, valor das propriedades, etc., sobre o que escreverei em outra ocasião.
Depois de um sólido almoço, com muita e boa carne, mas sem pão que era substituído por farinha de mandioca, entramos na mata e dirigimo-nos a diversos ribeirões onde, segundo consta, teriam sido encontrado minérios (de ferro), os quais eu queria examinar. Não encontramos nada do gênero, mas vi diversas flores lindas e árvores e outras coisas interessantes, de maneira que o tempo passou depressa demais. Os curso dágua naquela região contem todos eles ouro, e,  em vários pontos tanto que um homem pode ganhar de um a três ducados diários.  (Propaganda!) Isto é muito, mas essa faina estraga a gente como um jogo de azar - muito empobrecem, outros enriquecem consideravelmente, mas todos se tornam, pela tarefa fácil de obter lucro, preguiçosos e desordeiros, ao passo que a labuta naquele solo bom e fértil alimenta o homem, garantidamente.
Foi lá que vi, também pela primeira vez, abelhas nativas que fazem os ninhos nas selvas, onde são apanhadas. Não tem ferrão, são menores que as nossas abelhas e, nem de longe, tão agressivas. Fazem os ninhos em partes ocas de troncos de árvores:as células são grandes, como avelãs e a cera é escura e um tanto mole, sendo o mel fino, mas saboroso. Para obter-se o enxame, derruba-se a respectiva árvore, serrando-se depois o tronco dos dois lados da cavidade, rachando-se em seguida o bloco para tirar o mel e a cera.
Depois, junta-se e amarra-se  novamente as duas partes, e tapa-se tudo com barro, deixando-se apenas uma pequena abertura. Nestes blocos pendurados, as abelhas voltam aos ninhos antigos, onde produzem novamente. O processo é muito primitivo.. a apicultura metódica, na forma que se faz com abelhas europeias, deveria dar bons resultados.
A tardinha, após despedida cordial, com abraços e repetidos convites para outra visita, partimos para alcançarmos ainda "Muito bonito", onde nos haviam convidado para pernoitar.
Desorientamo-nos, entretanto, e cavalgamos pela região até às nove horas da noite, sem avistar casa alguma. Quando por fim encontramos uma estância no mato, onde se encontravam alguns negros e a proprietária, uma mulata. Mesmo que as aparências não fossem muito boas, vimo-nos obrigados a permanecer ali. ainda nos serviram algumas costelas assadas ao fogo, além de farinha. a fome temperou a refeição simples, que não foi de grande asseio, tendo os dedos de fazer as funções de garfos. Depois nos serviram mate e fumados ainda alguns cigarros, e tendo eu rememorado os acontecimentos do dia, deitamo-nos para descansar dentro de uma cabana inacabada, sem paredes ainda, mas com coberta. O leito improvisado sobre um porta, era duro, porem o cansaço nos fez dormir bem.
Partimos ao raiar do dia em direção a "Muito Bonito", onde fomos novamente recebidos com muita amabilidade.
Depois de bem alimentados, tendo passada mais uma revista na bela propriedade, partimos, tendo chegado ao cair da noite em Pelotas, com a região glútea bastante maltratada, mas absolutamente satisfeitos com o resultado da excursão.
No dia seguinte, visitei uma fábrica de sebo nas proximidades, por cujo proprietário, um francês, fui muito bem recebido e que me mostrou as instalações, tendo conversado com ele sobre tudo que se pode ali empreender, ainda. O  homem havia iniciado, fazia cinco anos, com pouco recursos e, através de muito trabalho e empenho, possui agora, uma grande fábrica com 25 escravos. ele deu-me esperanças para um empreendimento químico, convidando-me, também, para fazer o necessário estágio no seu estabelecimento, para o caso de eu resolver voltar a Pelotas para estabelecer-me ali.
No dia seguinte voltei ao Rio Grande, onde precisei embarcar imediatamente no vapor que zarparia no dia seguinte, com destino ao Rio. Sobre esta viagem, comunicarei na carta seguinte.
Desde que pisei em terra firme, como meus queridos pais podem verificar, quase não tive tempo pra dedicar-me a mim mesmo. Já vi que, aqui, o empenho para a fixação em algum empreendimento é maior do que na Alemanha, mas também são as possibilidades em relação aos lucros.
Aqui, no Rio de Janeiro, a hospitalidade anda danadamente escassa; Todas as minhas recomendações serviram-me de quase nada. Tendo de gastar, assim, muito dinheiro, pretendo afastar-me, o mais depressa possível. em convites para a mesa, sem se fala, o que mesmo não é possível, porque quase todas as famílias (estrangeiras) moram longe, por vezes duas horas de distância do centro, e só aqui chegam para cuidar dos negócios, voltando logo depois.
O Sr. H. Fröhlich, para cujos filhos eu trazia cartas, sem procurei, porque ele, segundo consta, parece ser um homem bastante original. Simples jornaleiro antigamente em Brehmen, estaria ele aqui hoje muito rico, pelos próprios esforços, mas de maneiras bruscas e insultuosas, muitas vezes, tendo eu sido advertido de não procurá-lo, para pupar-me de aborrecimentos.
A filha (no endereço ainda "Fräulein" é agora Madame Emília, recebeu-me muito bem em companhia de seu marido e de um primo, morando eles também uma meia hora de viagem distante da cidade.
As cartas de recomendação, desta maneira, com exceção de alguns bons conselhos, que de fato me valeram, nada de positivo resolveram para mim. Travei, entretanto, outros conhecimentos com pessoas que se empenharam bastante por mim, apoiando-me no desempenho de meus objetivos.
Encontrei aqui, aliás, uma família com a qual pretendo estreitar relações, onde fui muito bem recebido, se ter sido recomendado. O chefe desta família é um comerciante hamburguês, Sr. Bahre, homem muito inteligente, se bem que excêntrico, que veio para cá com os mesmo objetivos que eu, isto é colonização.
A amabilidade calma da esposa é o equilíbrio para as adversidades criadas pelo caráter do marido. Esta família pretende estabelecer-se em Pelotas ou Montevideo e, possivelmente, eu os acompanharei, tanto mais quanto o Sr. Bahre me fez  propostas para um empreendimento em comum, caso não sejam realizáveis os nossos objetivos de colonização.
Na província do Rio Grande, a hospitalidade é muito grande, podendo-se viajar durante meses sem fazer gastos, além de alguns talers em milho para os cavalos. É tido como ofensa oferecer-se pagamento em uma propriedade onde se comeu, bebeu e pernoitou. quem é dedicado às crianças, pode contar com o mais sincero acolhimento, mesmo para uma permanência mais prolongada. Se eu, portanto, me decidir a fazer viagens de sondagem ao Rio Grande, as despesas serão mínimas.
O que se conta aí de animais selvagens e cobras também não é tão assustador. quem quiser ver uma onça, ou um tigre, vivos nas selvas, deverá mesmo caça-los, pois evitam timidamente o homem, atacando mesmo só quando muito famintos, ou então quado feridos. É interessante que não é atacado o branco, quando este se encontra em companhia de um negro, que então será cobiçado. 
Com as cobras o caso, igualmente, não é tão grave como supõe. consta que há muitas, segundo alguns dizem, mas as mordidas são relativamente raras, porque as cobras são medrosas e fogem, se tiverem alguma oportunidade.
(Seguem considerações sobre o assunto, como também da calamidade dos mosquitos, etc. Anotação na cópia da carta da qual foi feita esta tradução.)
No Rio Grande estas calamidades são menores, e no inverno, em que estamos pouco se percebe das mesmas. Mas mesmo que fossem um pouco mais graves, a terra e o clima pelo menos no Rio Grande, ao qual sempre se voltam os meus pensamentos, são tão excelentes que se pode suportar também algumas adversidades. Um céu ameno, não demasiadamente quente, nem frio demais, seco e saudável, solo ubertoso e fértil, frutas maravilhosas, todas as qualidades de frutas e hortaliças europeias, que mais poderia almejar? Além disso, há minérios e carvão, ouro, comércio e bons salários. Poderia existir terra melhor para os alemães? Só talvez, um pouco mais de fé e boa vontade da parte do governo.
Em Montevideo, o clima é mais frio, mas saudável da mesma maneira.. com a paz restabelecida, consta que muitos alemães pretendem transferir-se para lá., onde há mais justiça que aqui. O trigo da ali muito bem, que antigamente se cultivou com muito sucesso no Rio Grande, onde, desde uns 20 anos passado, é atacado pela "ferrugem", não dando mais lucro, foi substituído pelo plantio de outros cereais além do milho, batatas, mandiocas, etc. Caso eu não consiga nada no Rio Grande, irei, provavelmente com o meu projeto de colonização a Montevideo, para onde já tenho propostas da parte de um espanhol rico, mas cujas bases ainda não estudei bastante. De qualquer maneira, contanto que a minha vista permaneça boa, poderei eu arrumar aqui o meu futuro, podendo afirmar desde já, que jamais arrepender-me-ei de ter vindo para cá, contanto que eu possa preservar a saúde.

(Segunda a cópia de onde foi feita esta tradução, à carta seguiam conselhos para os sobrinhos Gaetner e Kegel, caso quisessem emigrar para o Brasil).

Hermann Blumenau
Terminada em 5 de agosto de 1846


Fotografia encontrada em uma residência na Alemanha - provavelmente encaminhada por um imigrante da época. -Stadplatz da Colônia Blumenau

Para saber mais sobre o Sr. Hermann B.O. Blumenau e sua obra
Clicar sobre:


  1. Fritz e Hermann - Dois Personagens da História de Blumenau
  2. História - Blumenau e sua formação a partir dos meios de transportes
  3. Os antepassados - 163 anos de Blumenau - História
  4. Blumenau - do Stadtplatz ao Enxaimel
  5. Técnica do Enxaimel
  6. A Ferrovia EFSC
  7. Leitura - Detalhes da Fundação de Blumenau




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