Fonte: NSC Total |
Conhecemos Cao Hering, da década de 2000, durante um trabalho voluntário com um grupo de crianças, onde ensinou como se faz a forma através de traços rápidos e fez o depoimento de como entrou em contato com o desenho e agora, percebemos, também com as palavras, demonstra maestria. Estamos buscando as imagens daqueles momentos de atividades com os desenhos e as crianças e colocaremos aqui neste espaço, para a História.
No momento, seu texto...
A Garagem-Casa
Texto de Cao Hering - março, 2017
Vão longe os rústicos dias de verão em Armação de Itapocorói. O hoje tão modificado pedaço de orla no município de Penha, não raro lota as lembranças de minha juventude. Água salobra bombeada manualmente, o fumegar acre das velas e do lampião que preenchia os cômodos, o denso breu das noites ventosas entrecortadas pelo reboliço do bambuzal rente ao telhado, a vegetação à beira-mar crivada de rosetas, o tuc-tuc das baleeiras ainda no escuro bem antes do nascente, a visita do terno de reis na hora do jantar, os passeios de lanterna pela areia depois, o exausto adormecer nos beliches em madeira crua...Algas, ouriços, o peixe da rede para a frigideira, o vendedor – “ô dona Maria!” – mostrando o cesto de goiás, a geladeira a querosene, puçá, caiaque, batelão, salgas, cascas de camarão atiradas ao mar, os andrajos dos personagens nativos, os toscos atalhos abertas na restinga, a farinha embrulhada e o copo de pinga até a borda sobre o balcão da vendinha de secos e molhados, a carroça do padeiro, o zunido das cigarras se sobrepondo à rebentação suave, o aroma de aroeira e maresia. Ah, e a primeira cerveja à sombra depois do mergulho...Os veraneios nas casas ainda mobiliadas de improviso naquela Armação agreste, de poucos recursos e acesso empoeirado, eram impregnados dessa poesia simples da qual só me dei conta mais tarde. Pouco sobrou. Hoje, da quase cidade de veias asfaltadas, de suas mil câmeras nada escapa. O cheiro acre vem das caminhonetes e o zunido das voadeiras e motos aquáticas abafa o tuc-tuc das renitentes baleeiras. Os condomínios verticais já arranham o laranja-avermelhado no pôr-do-sol.Em janeiro deste ano, no entanto, percebo num repente, à beira da Avenida São João, aquela antiga paralela ao mar – perto de onde veraneávamos – espremida entre muros descuidados, uma velha e conhecida construção: era, digamos, a “garagem-casa-de-praia” do lendário chef Hugo Socher. A conhecida fachada, de acabamento um tanto grosseiro, ainda exibia a enorme porta da garagem encimada pelas duas janelas do sótão em tábuas grosas sem vidro (estavam escancaradas, e na da esquerda esvoaçava uma cortina deplorável). O abandono lhe dava um rosto envelhecido, assustado, triste, de sorriso invertido. O capim lhe subia pelas canelas e um meio-fio sem planejamento impedia a abertura das asas da garagem para a rua. O outrora originalíssimo refúgio de verão, de tantos encontros e divertidos causos, agora sugeria, pelo menos para mim, um inequívoco semblante de choro... E uma placa com dois telefones anunciava o desfecho de uma história que conheci muito bem.Foi ali, meu caro e paciente leitor, que o mestre dos temperos, um dos divisores da cozinha blumenauense, vindo de uma Alemanha em guerra, criou um dos mais deliciosos e espartanos redutos para seus verões tão diferentes dos europeus. A enorme garagem para a barulhenta caminhonete Ford, que no meu olhômetro perfazia metade da morada do Hugo, tinha sempre as paredes repletas de ferramentas e uma escada que levava ao piso superior mobiliado por duas ou três camas simples. A cozinha protegida apenas por treliças dava para um longo e agreste terreno sombreado até a praia, bem em frente à enorme e conhecida Pedra da Fortaleza.No entanto, a vida leve e solta das temporadas, longe dos negócios, acontecia mesmo era num puxado lateral e aberto, em torno de uma mesa rodeada de cadeiras de palha, onde, bem ao lado e bem à mão, os cascos escuros eram mergulhados no poço artesiano, presos por longos barbantes. Os habitués, de origem teuta, claro – quase sempre em velhas bermudas e peitos nus –, de tempos em tempos içavam “noch ein paar kühle Flaschen” para regar os inequívocos camarões e o insuperável Zwiebelkuchen do mestre Socher.Tivesse eu dinheiro, compraria e recuperava aquela inesquecível garagem-casa.
Fotografia atualizada e enviada pela arquiteta Janete Krueger - 9 de fevereiro. |
Fotografia atualizada e enviada pela arquiteta Janete Krueger - 9 de fevereiro. |
Estamos buscando as fotografias, de sua oficina de desenho em um encontro com crianças de uma escola pública municipal - que registramos para a história, que aconteceu na década de 2000. e também montando uma pequena biografia deste artista do desenho e das palavras blumenauense.
Um registro para a História!
Em Construção...
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