Conhecendo o caleidoscópio cultural do Estado de Santa Catarina passamos pelo município de Pinheiro Preto. Por que Pinheiro Preto? Qual a sua História? Seu Vale?
É um município que acabou de completar 60 anos, localizado no Alto Vale do Rio do Peixe no Meio Oeste Catarinense, região do contestado e pertence a AMARP – Associação dos Municípios do Alto Vale do Rio do Peixe. Limita-se ao Norte com Videira, ao Sul com Tangará, ao Leste com Videira e Tangará e a Oeste com Ibicaré e Iomerê. Pinheiro Preto está distante de Florianópolis - capital do Estado de Santa Catarina, 490 Km.
De acordo com o IBGE:
- população em 2021 era 3.596 pessoas;
- área é de 61,011 km²;
- densidade demográfica e de 47,79 hab/km²
- Está localizada em um território com 696 metros acima do mar - região planalto.
No início do século XX, semelhante à história ferroviária no Vale do Itajaí, também nesta região do Meio Oeste, aconteceu a construção da ferrovia - essa ligava São Paulo ao Rio Grande do Sul. Esse projeto teve início em 1887, quando o governo imperial do Brasil solicitou um projeto de uma ferrovia que promovesse a ligação de Itararé (SP) a Santa Maria (RS) e assim, naturalmente ligasse as províncias de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O projeto ganhou forma através de várias concessões de trechos e empresas. Em 1908, Percival Farquhar assume a concessão da Companhia Estrada de Ferro São Paulo Rio Grande e integra à holding Brazil Railway Company, quase na mesma época do processo semelhante da EFSC - no Vale do Itajaí. Essa ferrovia do Centro Oeste catarinense foi responsável pela valorização fundiária regional e do surgimento da cobiça das terras já ocupadas, por parte de órgãos públicos estadual e nacional, resultando na covarde Guerra do Contestado - Estado contra população local que defendia seu lugar, até então, sem valor fundiário agregado.
Traçado da Estrada de Ferro São Paulo e localização de Pinheiro Preto SC. Rio Grande Fonte: Centro Oeste Brasil. |
Neste período também ocorria correntes migratórias internas. As regiões do Extremo Oeste e Centro Oeste recebiam migrantes do Rio Grande do Sul. Esta região foi cenário da Guerra do Contestado - conflito bélico ocorrido durante quase 4 anos - entre outubro de 1912 até agosto de 1916, ocasionado por interesse fundiários de grandes investidores e do estado Brasileiro, contra pequenos proprietários que já residiam na região, antes da chegada da ferrovia.
Conflitos entre pequenos proprietários e posseiros contra os governos dos estados de Santa Catarina, Paraná e Governo Federal brasileiro que tinham interesses fundiários pelas terras valorizadas, pela presença do modal ferroviário.
Na região onde está localizado o município de Pinheiro Preto foi um dos cenários importantes, dentro da história ferroviária e também da Guerra do Contestado.
Os primeiros acontecimentos e o que fez surgir a nucleação urbana de Pinheiro Preto...
A administração e coordenação da construção da ferrovia sob responsabilidade dos americanos, fez com que o projeto desta fosse dividido em segmentos (como foi feito na EFSC - no Vale do Itajaí). Esses trechos ferroviários foram entregues a empreiteiros locais - para sua execução. Farquhar recrutou mais de 8.000 trabalhadores oriundos de São Paulo, Rio de Janeiro, do Nordeste e também, do exterior.
Os empreiteiros eram responsáveis pelos pagamentos dos trabalhadores. José Antônio de Oliveira, conhecido como Zeca Vaccariano, era um destes empreiteiros e possuía, também, um armazém na nucleação urbana - embrião do município de Pinheiro Preto. Vaccariano assumiu dois trechos ferroviários. Quando terminou a execução destes trechos, Zeca Vaccariano
, por algum motivo não muito explicado e esclarecido não tinha dinheiro para pagar os salários de seus trabalhadores. Era algo arriscado. Lembramos que ocorreu igualmente com Gottlieb Reif, no Vale do Itajaí, que vendeu sua máquina à vapor (um locomóvel Wolfe) e sua propriedade, para pagar os trabalhadores, seus homens. Ele não tinha recebido o valor que lhe prometeram. Sob pressão para que efetuasse o pagamento e sabendo como a companhia fazia o pagamento aos demais empreiteiros, Zeca Vaccariano planeja um assalto ao trem pagador. Armado com alguns dos homens que precisavam receber, aguardaram o trem na frente de seu armazém. No trem, estavam a comitiva pagadora formada pelo responsável da companhia, Henrique Jorge Baroni, o engenheiro Ernesto Kaiser e os seguranças Lino Ferreira, Menezes e Guilherme.
Máquina à vapor - motor à vapor - semelhante àquela usada por Gottlieb Reif no Vale do Itajaí, na praça de Pinheiro Preto. |
Em 24 de outubro de 1909, quando a comitiva passava em frente ao armazém de Zeca Vaccariano, km 152 da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grandeestra - EFSPRG, sofre a emboscada. Morreram os três seguranças. Jorge Baroni ficou ferido e Kaiser não foi atingido. Zeca Vaccariano e os demais fugiram e não foram mais vistos na região, com exceção de um, que foi preso e mais tarde, absolvido por ausência de provas.
No local onde houve o assalto ao trem pagador, foi fixada uma cruz em homenagem aos três mortos no assalto - “Cruz do Vaccariano”.
Zeca Vaccariano pode ser considerado o fundador de Pinheiro Preto. Possuía um armazém na localidade - durante a construção da ferrovia. Na foto - "Cruz do Vaccariano". |
Em Pinheiro Preto está o túnel, existente nos dias atuais, e muito visitado e fotografado. Há um local onde foram fixados cruzes, igualmente, em memória às pessoas que perderam a vida no local, durante a construção e também na guerra. A ocupação das terras - povoando o embrião urbano, eram feito por famílias de migrantes oriundos do Rio Grande do Sul por volta de 1917. Estes imigrantes eram de descendência italiana, das famílias de: Pedro Lorenzoni e Pedro Bressan que se estabeleceram às margens do Rio do Peixe e depois, em 1921, chegou Luiz Viecceli, imigrante italiano, que em companhia do gaúcho Hermínio Longo, iniciou e desenvolveu a cultura da uva. Em 1919, Guerino da Costa plantou a primeira parreira de uva no local e dela, foram colhidas uvas para a fabricação do primeiro vinho do local. Em Santa Catarina, a bebida já era fabricada no Vale do Itajaí, para consumo próprio. Faziam, vinho até mesmo de laranja.
O local de Pinheiro Preto é onde estava o armazém ou "venda" de Zeca Vaccariano. Legalmente Vaccariano é seu fundador.
O nome "Pinheiro Preto" têm origem no tempo da construção da ferrovia - início do século XX. Nesta época os pontos focais que demarcavam o lugar e era de fácil identificação estavam localizados e encontrados na paisagem natural e faziam parte desta. Poderia ser uma montanha, um rio, um descampado, uma árvore. No local onde surgiria o município um tempo depois, o marcaram através da presença de um grande pinheiro, que se destacava na mata, chamuscado pelo fogo. Lá no "pinheiro preto" era a expressão usada para marcar e citar o local.
Formação Administrativa
O Distrito foi criado com a denominação de Pinheiro Preto, pela Lei Municipal n.º 168, de 21 de outubro de 1953, desmembrado do distrito de Iomerê, que fazia parte do município de Videira. Em divisão territorial datada de 1955, o distrito de Pinheiro Preto fazia parte do município de Videira.
Foi elevado à categoria de município, com o nome de Pinheiro Preto, através da Lei Estadual n.º 817, de 04 de abril de 1962, desmembrado de Videira. O município de Pinheiro Preto foi instalado em 19 de maio de1962. Em divisão territorial de 31 dezembro de1963, o município é formado do distrito sede.
Foi elevado à categoria de município, com o nome de Pinheiro Preto, através da Lei Estadual n.º 817, de 04 de abril de 1962, desmembrado de Videira. O município de Pinheiro Preto foi instalado em 19 de maio de1962. Em divisão territorial de 31 dezembro de1963, o município é formado do distrito sede.
Primeira casa construída por João Bressan e família em Pinheiro Preto. Cada de madeira coberta com telhas de madeira. Volumetria característica do pioneiro alemão e italiano na região. |
Religião - Templo
Capela São José na comunidade de Boa Esperança, margem direita do Rio do Peixe. |
Igreja Matriz de São Pedro em 2022. A praça da igreja, em relevo acidentado é mantido por gentil casal, os quais fotografamos. Lindas flores e folhagens. |
O Padre Trudo Plessers coordenou a construção da Igreja Matriz. Poderia ter sido feito, sem a retirada da primeira igreja São Pedro, pelo grande valor histórico na comunidade. Espaço há muito.
Travessia do Rio do Peixe
Balsa - Nos primeiros anos históricos do local, a travessia do rio era feita através de embarcações fluviais como canoas e barcos. Devido ao grande número de acidentes e os perigos devido ausência de segurança, a comunidade liderada por Pedro Lorenzon e Simon Sansczuck, construíram uma balsa que levou seis meses para estar pronta. O veículo tinha 15 metros de comprimento e 4 metros de largura. Atravessou o Rio do Peixe transportando pessoas, cargas e veículos, por 20 anos, sendo que nos últimos anos em atividades, a embarcação foi adquirida por Ângelo Ponzoni e seu uso deixou de ser público e, passou a ser privado.
Aos fundos a Igreja São Pedro e o Hotel Belotto - na centralidade da comunidade. Na Balsa - os alunos do professor José Cursio. Dia 7 de setembro de 1938. |
Ponte - Em forma de mutirão regional, contado com auxílio de Caçado e Campos Novos, Pinheiro Preto iniciou o plano de construir uma ponte sobre o Rio do Peixe, em 1939.
Observando a ponte dizemos que seguia a tecnologia daquelas construídas pelos pioneiros alemães, com fundações e pilares de pedra, muito semelhante a Ponte Aldo Pereira de Andrade - ponte de ferro, de Blumenau - e de madeira coberta. Lindíssimo exemplar, semelhante aquelas localizadas no Sul da Alemanha, no tempo presente.
Humberto Bresolin forneceu as pedras para os pilares, ainda existentes no local. Bortolo Farina, Vergílio Perin, Balena Perin, Pedrinho Bressan, Pedro Randon, Henrique Olivo, Sebastião Piccoli e família Lorenzon ofereceram os pranchões de cabriúva e angico - que na verdade eram extraídos do local. O material foi transportado por meio de mulas e em alguns casos com vagonetes cedidos pela empresa da ferrovia - dados do livro de Alzira Scapin - "Pinheiro Preto, Sua história, Sua gente".
A parte de cantaria foi orientado por José Facchin e a parte da carpintaria, por Humberto Bresolin, onde teve colaboração de praticamente toda comunidade.
A ponte, a exemplo das pontes do Vale do Itajaí do final do século XIX e início do século XX, após o término dos trabalhos dos pilares e da pista rolante recebeu uma estrutura treliçada de madeira para suportar a cobertura de zinco. A ponte final tinha 80,50 metros de comprimento e 3 metros de largura.
A estrutura não foi feita para suportar fortes ventos, característicos do local. As folhas de zinco eram levadas e muitas vezes não eram mais encontradas. Para manutenção e reparos desta estrutura, criou-se um pedágio, estabelecido pelas lideranças locais. Ficou estranho, uma vez que não não existia mais a balsa pública e com certeza, criou uma segregação espacial na comunidade. Este pedágio existiu por aproximadamente 4 anos. Humberto Bresolim desejava receber o que havia investido na ponte, o que não foi suficiente e a ponte foi inaugurada em 1943. Não era bem uma doação e sim negócios.
A ponte passou por manutenção e modificações em 1967 , no mandato do primeiro prefeito eleito, Avelino Bressan. A ponte, então passou a ter 5 metros de largura. Detalhe, foi retirada a cobertura e com o charme de uma ponte coberta e histórica.
Em 1982 foi construída uma ponte de concreto, como outra qualquer, desprovida de graça existente na paisagem atual. A construção aconteceu na gestão de Elídio Farina e Osíris Randon. A nova ponte manteve os pilares históricos da primeira ponte de madeira coberta, não porque era histórica e importante dentro da história local, mas sim, porque eram pilares dotados de resistência material e técnica apresentada em sua construção. Em sua nova inauguração foi batizada de “Ponte Humberto Bresolin”, nome daquele que cobrava os investimentos e para tal pagamento, surgiu o pedágio em tempos anteriores.
A Escola
A grande dificuldade de encontrar professor para as crianças dos primeiros períodos históricos de Pinheiro Preto, fez surgir uma ideia inusitada. O primeiro ambiente usado com a função de escola foi uma pequena edificação usada para “Guarda Chaves” da ferrovia. Isso aconteceu porque, na década de 1920, os líderes locais fizeram uma reunião com o agente ferroviário João de Deus, que resolveu o problema imediatamente. Este autorizou o início das aulas, com um grupo de dez crianças e assumiu o papel de professor. Desta maneira, historicamente, foi o agente da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, o primeiro professor de Pinheiro Preto. Não há registros sobre o período exato que João Jesus de Deus lecionou. O professor João lecionou até sua transferência para outro local de trabalho e deixou sua contribuição para a história do local e na memória de seus alunos, formadores da comunidade futura.
Com o novo professor, a escola passou a funcionar no andar térreo da residência de Pedro Lorenzon. O novo professor foi Albino Donadel, da cidade de Erechim e lecionou por pouco tempo. O professor Donadel foi substituído por Josefina Lorenzon que permaneceu por pouco tempo no cargo. Foi substituída, novamente, por um agente ferroviário , agora o agente Alexandre Monasterqui.
As crianças na frente da sala que funcionava no andar térreo da residência de Pedro Lorenzon. |
As crianças com o Professor Alexandre Monasterqui em 20 de novembro de 1927. |
Todo final de ano, uma banca examinadora de Tangará se deslocava para Pinheiro Preto para ver e averiguar quais alunos tinham condições de passar de ano.
Em 1932, João Heck , vindo residir em Pinheiro Preto, passou a organizar uma escola em sua residência que funcionou por mais de duas décadas. Na década de 1940, foi construída uma escola no pavilhão da Igreja de São Pedro que passou a ser chamada de Escola Estadual Mista e depois passou a ser chamada de Escola Estadual Desdobrada.
Escola - Fundos da Igreja - em dia de festa. |
A Produção de Vinho
Em 5 de abril de 2002, Pinheiro Preto recebeu o título de “Capital Catarinense do Vinho” através da Lei Estadual nº 12.145.
De acordo com dados do IBGE, Pinheiro Preto é o maior produtor de vinhos do Estado de Santa Catarina, sendo que no ano de 2000 foi responsável por 48% da produção total do Estado. Tem uma área de 443 hectares de parreiras com produção. Área insuficiente para a demanda das 22 vinícolas instaladas no Município. Sua produção de vinhos conta com a produção de uva de outros municípios catarinenses e também do Rio Grande do Sul. A produção de uva, sua industrialização e a consequente produção de vinho representam a base de sua economia. Há outros produtos industrializados - em menor escala - como beneficiamento de papel e plástico, indústrias de massas e as atividades agrícolas principalmente a criação de frangos e suínos.
Imagens de Pinheiro Preto em novembro de 2022
Rio do Peixe sobre a ponte do centro. |
Marcas da ferrovia, ainda na paisagem. |
Marcas da ferrovia, ainda na paisagem. |
A História contada na arte mural.
Uma pena que não se pode apreciar a pé e nem de automóvel, pois não há lugar para pedestre e nem para estacionar. Não há como contemplar com a distância razoável. Para fazer estas imagens, fizemos um pequeno malabarismo.
Sem espaço de contemplação adequado. |
Espaço mínimo para contemplação ao lado de uma via de fluxo rápido. |
Cidade 3500 habitantes, recebe seu principal rio poluído. Rio do Peixe. Reflexões nesta hora. |
Escala humana - o tamanho do carretão. |
Igreja Matriz São Pedro. |
Cuida das flores do jardim da igreja - muito bonito. Também seu esposo. |
A praça em vídeo
Um registro para a História...
Rumo a Fraiburgo
Referências:
- EINSWEILER, Jussara Fatima Trevizol. O Uso das Tecnologias como Recurso para o Resgate Histórico do Município de Pinheiro Preto. Resgatar a história de um povo é de fundamental importância para afirmação de sua cultura e valorização de suas raízes. Disponível em: http://projetousotecnologia.blogspot.com/p/pinheiro-preto-sua-historia-passado-e.html . Acesso: 27/11/2022 - 23:45h.
- IBGE. Pinheiro Preto SC. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sc/pinheiro-preto/historico Acesso em: 27//1//2022 - 10:00h.
- Prefeitura de Pinheiro Preto. Histórico. Disponível em: https://pinheiropreto.sc.gov.br/galeria/pagina-2818/ Acesso em: 27/11/20022 - 9:40h.
Leitura Complementar - Para ler Clicar sobre o título:
Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
Contatos:
@angewittmann (Instagram)
@AngelWittmann (Twiter)
Em breve – Estaremos lançando o livro: “Fragmentos Históricos - Colônia Blumenau”
Sob revisão...
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