O município Itapiranga aparece na III década do século XX no cenário nacional como recorte geográfico e espaço de acolhimento de Alemã descendentes da II e III gerações de imigrantes que povoaram a encosta inferior do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, no século XIX, e foram recrutados pela Colonizadora Volksverein e pela Igreja Católica para reinventar suas tradições negligenciadas ou eclipsadas nos locais de origem. Assim, de forte influência européia e da Igreja, o município apresenta elementos culturais riquíssimos como: prédios históricos, culinária, bandas, corais, grupos folclóricos e outros. O caráter universal que começou a imperar nas relações sociais, econômicas e culturais nas últimas décadas tem sido implacável com os suportes matérias e culturais da região.
Mapa das colônias alemãs no sul do Brasil,
utilizado para propaganda pelas empresas colonizadoras.
Toda a organização dos pioneiros de origem européia gravitava em torno da família e da vivência comunitária. No universo pioneiro, algumas características serviam de andaime e alicerce. Ideais se cruzavam no espaço da família, na escola e na vida social. Regras sociais e costumes foram paulatinamente incorporados a partir de mecanismos de coerção social. Sem parâmetros exógenos, as instâncias da família, escola, comunidade e religião transmitiram os valores e os ideais da cultura.
Presos ao mundo natural e linear, avesso ao moderno, seus personagens encontraram um campo privilegiado para práticas coletivas, solidárias e coesas. Numa região, pensada e criada a partir do epicentro religioso, a compartimentação horizontal refazia-se, continuamente, por meio de um permanente debate interno. Princípios uniformes e intocáveis coordenavam as ações individuais e coletivas. A intolerância era total para tudo o que pudesse despertar a desconfiança e a indisposição da comunidade. No coletivo, a população buscava o sentido para a vida local. Um cotidiano compartido e complementar, embora conflitivo e hierárquico constituiu a garantia de sobrevivência. Mutirões comunitários para edificar obras públicas e ajudar famílias desestabilizadas envolviam a todos, trata-se acima de tudo de um ato de solidariedade.
Morin (2003, p.124) enfatiza de que: “A fraternidade solda a comunidade”.
O isolamento da região provocou condicionamentos adaptativos. Uma multiplicidade de técnicas locais, geradas espontaneamente, movia os pioneiros. Todas as famílias eram potencialmente produtoras de alimentos, objetos de trabalho, roupas, calçados, móveis e outros. A necessidade fez aflorar a criatividade das pessoas. Inventaram-se moinhos, prensas, rodas d´água, instrumentos de trabalho, cachaça, vinho, cerveja. Em cada família se gestava um cientista natural, um mecânico, um construtor, um sapateiro, uma costureira, um farmacêutico, uma parteira...
Antiga ducha de banho
Prensa de Banha
No isolamento da vida pioneira, a transmissão de saberes passava pela linhagem familiar ou pela instituição escola/Igreja. Sem parâmetros exógenos, as instâncias da família, escola e religião transmitiram os valores e os ideais da cultura. Assim, o mundo, limitado e restrito, limitou possibilidades e serviram como ponto de estrangulamento, gerações inteiras foram vítimas do silêncio e do debate impermeável.
Primeira Igreja de Itapiranga, que também servia como escola
Como descrito anteriormente, a região de Itapiranga foi colonizada a partir de 1926. O perfil das primeiras famílias era diverso. Muitos dos pioneiros foram imigrantes alemães e que conheciam outras miragens. Eram médicos, agrônomos, professores, políticos, engenheiros no seu país de origem. Profissionais liberais que no período entre guerras na Europa, migraram para o sul do Brasil e especificamente no projeto Porto Novo, apontado na época pelos Padres Jesuítas como mundo ideal.
Os pioneiros de Itapiranga, muito embora tenham sido plantados no meio do mato, onde a carência dos meios de comunicação amputou a história da linhagem e desmentiu a cidadania pré migratória, estes não se livraram dos laços simbólicos que os amarraram ao passado europeu, como podemos perceber na arquitetura inicial da colonização.
Fachada lateral da Residência Neff,
localizada em Sede Capela, construída em 1932.
O modelo arquitetônico da região foi pensado e aplicado pelos jesuítas que sobre a população tinham jurisdição. Desta forma a construção de igrejas e casas, invariavelmente passava pelos estilos europeus da época.
Comercial Schoeller, localizada em Sede Capela, construído em 1928. Arquitetura barroca, com simetria de fachada e uso de telhado chalé.
Residência Delavy, localizada em Sede Capela
Arquitetura barroca e uso de telhado chalé.
A Região de Itapiranga (Porto Novo) se constituía numa ilha de ocupação nos primeiros anos de povoamento. O acesso unicamente pela pelas águas do Rio Uruguai, dificultava o transporte de mercadorias que pudessem servir para edificar construções. Ao colonizar esses espaços de mata virgem, os indivíduos procuram primeiramente, antes mesmo de um estilo arquitetônico, por um abrigo às suas famílias. Assim, os exemplares mais antigos encontrados não carregam grandes riquezas em elementos de ornato, mas sim, um estilo simples, próprio e de proteção.
Balsa no Rio Uruguai
Edifício do SICOOB em Itapiranga, e ao fundo a balsa sobre o rio Uruguai.
As construções com telhado chalé normalmente são associadas ao desconhecimento da população, de descendência européia, ao clima regional. Embora seja um elemento importante a ser considerado (prevenção contra a neve), a explicação deve ser associada a outros elementos, dentre os quais o estilo ser o predominante na Europa na virada do século XIX e XX.
Residência Wohlfart, localizada em Linha Presidente Becker, construída em 1935.
O sincretismo arquitetônico regional também aconteceu na época. Adequando-se os estabelecimentos ao clima local, foi introduzido a essa arquitetura as grandes varandas. Como nos países europeus o frio preponderava, as varandas não tinham função para as construções, ao contrário do que encontraram nas novas regiões colonizadas, onde as mesmas os abrigavam a sombra e mantinham os ambientes internos refrescados.
Residência Schoenhals, localizada em Sede Capela, construída em 1928.
Construída na técnica enxaimel, foi introduzida a varanda na sua arquitetura.
O hospital, atualmente desativado, foi construído na comunidade de Sede Capela que serviu como porta de entrada para os migrantes e se constitui em Vila, mesmo antes da atual cidade de Itapiranga. O local para servir como Sede do município foi alvo de muitas controvérsias e intrigas entre os Padres Jesuítas e as lideranças da Colonizadora (Volksverein). Sede Capela perdeu esta disputa, apesar de ter recebido o primeiro hospital da região.
Primeiro Hospital em Sede Capela.
“A história de uma cidade pode ser contada pelas informações que seus patrimônios arquitetônicos conservados fornecem. O patrimônio que identifica a história de uma cidade vai se perdendo em meio a essa nova arquitetura, o nosso dia-a-dia está cada vez mais padronizado, fazendo com que o patrimônio existente nas nossas cidades, que identificam a nossa história, passe cada vez mais despercebido.”
Seria muito importante elaborar projetos educativos em relação à preservação do patrimônio histórico e desenvolvimento do sentimento de herança. “Uma educação que leve para a preservação da memória e dos seus suportes materiais, deve ser objetivo nos ambientes de aprendizagem, atingindo assim as gerações mais novas para que aprendam a valorizar o espaço em que estão inseridas”.
Alguns trabalhos de pesquisa já foram realizados na área de patrimônio, na qual o propósito foi resgatar e disponibilizar para a Sociedade Regional, a leitura do potencial arquitetônico Histórico do município de Itapiranga.
Existem duas citações do IPHAN, que gosto muito de colocar, na qual uma fala sobre o que é o patrimônio e outra sobre o porquê valorizar:
[...] o patrimônio é um dispositivo narrativo, serve para contar histórias, fazer a mediação entre diferentes tempos, pessoas e grupos. É nesse sentido que se pode dizer que eles são pontes, janelas ou portas poéticas que servem para comunicar e, portanto, para nos humanizar.
Ensinar o respeito ao passado, mais do que a sua simples valorização, é contribuir para a formação de uma sociedade mais sensível e apta a construir um futuro menos predatório e descartável, menos submetido à lógica econômica [...].
“O envolvimento da sociedade junto a órgãos públicos é necessário para que o trabalho de preservação da memória e patrimônio material seja bem sucedido”. É importante também realizar um plano que dê continuidade levando o conhecimento a todos e ensinando o respeito, assim como o sentimento de herança, em relação à história identificadora de uma comunidade. É muito importante para a sociedade que se conheça e preserve a história, como que aconteceu e como que surgiu tudo o que nos cerca, mantendo a memória viva e assegurando uma coletividade na preservação e divulgação para as novas gerações.
Um desejo particular é que ainda sejam criadas leis municipais de proteção ao patrimônio histórico, pois vejo muitas casas, principalmente as construídas em madeira, que são as principais identificadoras da história de colonização do município, ser desmanchadas.
---------- = ----------