segunda-feira, 21 de julho de 2014

Um pouco sobre a Enchente de 1983 - Blumenau

Vista do centro da cidade - Beira Rio  - 1983
Foto - Agência RBS Jornalismo

No momento que escrevíamos esta postagem estávamos no final do mês de julho de 2014. Ao olharmos nossos álbuns de fotografias, deparamo-nos com as fotos da grande enchente de 1983. Faziam exatos dois anos que nós estávamos residindo em Blumenau e foi uma experiência, cuja lembrança levaremos para sempre conosco. Acreditamos que assim será com todos que presenciaram este fenômeno natural na cidade de Blumenau e região. 
Neste ano de 1983 - Antes da grande enchente, ouve outras pequenas enchentes que foram desconsideradas pelo tamanho da enchente de julho - Esta foi registrada no mês de março
Na época - 1983 - nós dividíamos um apartamento com  com 5 amigas, no pavimento térreo de um pequeno edifício localizado na Rua Camboriú, uma das primeiras ruas da região a ser atingida pelas águas, quando ocorre sua elevação - na cidade de Blumenau SC.

A cidade de Blumenau foi construída em um Vale,  às margens do grande Rio Itajaí Açu e seus afluentes. A elevação do nível das águas sempre foi uma constante na História da cidade. A última grande enchente, de grandes proporções, tinha acontecido em 1911. Poucos dos adultos tinham lembrança desta e jovens e crianças não conheciam uma enchente, como no nosso caso e de nossos amigos.

Atualmente, as inundações estão um pouco mais agressivas, por conta da ocupações irregulares das encostas, cujos topos de morros muitas vezes são desmatados. As águas das chuvas, ao contrário de chegarem ao lençol freático, através da sua absorção feita pela mata que funcionaria como uma "esponja" deslocam-se direto para o vale, que também, muitas vezes, não é mais permeável pela presença da pavimentação asfáltica em muitas vias. Também deve ser considerado a presença de aterros irregulares nas várzeas dos principais rios, local onde as águas dos rios ocupavam, quando aumentava seu volume de água.
Exemplos de ocupações irregulares e sem planejamento - ocupação de áreas ingrimes
Também acontece em outras áreas no território da cidade .

Foto a partir do Google Earth - Google
Como já mencionado, em 1983, quando choveu muito e surgiu a possibilidade de enchente, muitos dos jovens não tinham presenciado este fenômeno, na história de Blumenau. Não se tinha uma previsão prévia do que aconteceria, como existe atualmente, a partir da tecnologia. Na época, durante as transmissões das rádios locais AM´s, foi noticiado, para que as pessoas que residissem em determinados níveis de cotas, levantassem seus pertences. Não sabíamos que residíamos em uma das partes mais baixas da cidade, em um dos primeiros pontos a serem inundados, até então
Colocamos nossos pertences nos corredores dos apartamentos superiores e nosso armário - único móvel - nas garagens que eram elevadas. Estavam no mesmo nível do segundo piso do edifício localizado ao lado da antiga e histórica residência do personagem histórico regional - Victor Konder. 
Rua São Paulo - Proximidade de nossa residência - Praça Fritz Müller
Foto - Agência RBS Jornalismo
Nestes momentos, havia muita movimentação na Rua São Paulo e ruas transversais. Caminhões sendo carregados com mercadorias e  mudanças inteiras. Na primeira parte do dia, fomos na Rua São Paulo buscar ajuda. Encontramos um senhor de bigodes (Nossa única referência) funcionário da Prefeitura Municipal de Blumenau que trabalhava voluntariamente. Foi ele que nos ajudou a relocar nossos pertences para local mais seguro, já descritos. Neste momento as canoas já faziam parte do cenário na baixada da Rua São Paulo - altura da Igreja Evangélica e da Praça Fritz Müller (Foto acima). Despedimo-nos das amigas que residiam conosco no apartamento e nos dirigimos em direção à rua Antônio da Veiga, com intenção de chegar no Bairro Vila Nova, onde residia a família do noivo - Família Wittmann e aparentemente o local seria seguro, pois era uma região mais alta e nunca sofreu com inundações, até então. 
Nosso percurso à pé, dentro da água - para tentar  chegar ao Bairro 
Vila Nova. Chegamos até a FURB.
Registramos, que quando íamos à pé pela rua Max Hering, com intuito de chegar à Rua Antônio da Veiga, nos deparamos com as partes mais baixas  da rua, alagadas. Sem raciocinar muito, um pouco em estado de choque, seguimos através das partes alagadas, com guarda chuva aberto (Chovia), dentro da água sem nos darmos conta do perigo que corríamos, em contato com água, através da eletricidade, buracos, infecção - contágio da leptospirose. A água estava na altura de nossa cintura.
Lembramos que desde março deste ano de 1983, já haviam  ocorrido pequenas inundações na cidade.
Ponte Ferroviária Aldo Pereira de Andrade

Prainha - Vapor Blumenau I
Da Prainha


Ponte Santa Catarina sobre o Rio Itajaí Açu


Beira Rio
Rua XV de Novembro


Rua 7 de Setembro



Continuando...

Seguimos através das partes alagadas, com guarda chuva aberto  e não nos demos conta do perigo que corríamosPor um segundo, tudo isto nos passou na cabeça e ficamos efetivamente em estado de choque. Extravasamos através do choro copioso e ininterrupto, o qual não queria findar. O único som que ouvíamos neste momento - era o som de nosso choro com o fundo do barulho da chuva.  Sentíamos-nos muito só, pois não víamos ninguém nas redondezas, somente água e chuva. Chegamos nas proximidades da FURB, em choque, e ali havia movimentação de pessoas. Não conseguíamos parar as lágrimas. Chegou um senhor que perguntou sobre o ocorrido e disse que poderia ajudar. Foi bom encontrar este apoio e ouvir esta afirmativa. Jamais sentimos tanta solidão, como naqueles momentos - tínhamos 20 anos de idade. Aquele voz trazia-nos alento e segurança. Falamo-lhe sobre nossa intensão de chegar ao bairro de Vila Nova e não tínhamos a menor ideia de como faríamos isto. Era um dos inúmero voluntários dos meios de comunicação, juntamente com funcionários da Prefeitura. Este senhor trabalhava em uma estação ambulante de uma Rádio que transmitia ao vivo e "construía pontes" para ajudar os desabrigados. Acalmou-nos e disse que conhecia um caminho até o endereço que desejávamos ir. Pediu que embarcássemos no carro da rádio e subiu o "Morro da Cremer", atravessando-o. Deixou-nos em segurança na residência dos Wittmann, na qual, acreditávamos estar seguros, pois não se tinha notícias de que, alguma vez na história, sua residência fora invadida pelas águas - uma casa - na época, que tinha a idade de 50 anos.
Centenária Ponte Lauro Müller - Ponte do Salto - Bairro do Salto.
Nossa máquina fotográfica da época
Não vamos narrar todos os momentos de todos os mais de 30 dias de enchente, que iniciou neste mês de julho  de 1983 na cidade de Blumenau e região. Nesta ápoca, os meio de comunicações se resumiam em rádio, TV, rádio amador e telefone. Sem energia elétrica, que por segurança, foi "cortada", restavam-nos somente o rádio amador. Claro que não precisa dizer que não existiam celulares e nem internet. Também, não existia a máquina fotográfica digital para o registro dos momentos. As máquinas fotográficas necessitavam de filmes próprios para que posteriormente fossem revelados, com fotos boas ou não boas - todas eram reveladas - Em um primeiro momento, fora de Blumenau. Por este motivo, algumas fotografias nossas, postadas nesta matéria, marcam a data de novembro  de 1983 na sua borda - data de sua revelação.
Filme fotográfico usado antes da máquina digital
As águas subiram muito e chegaram pela primeira vez, na residência dos Wittmann. Ficamos, por muitos dias, alojados na garagem de um vizinho, que residia na parte mais alta da rua. As pessoas eram muito solidárias. No meio do caos, vimos todos trabalhando por Blumenau e sua recuperação - lado a lado, sem distinção de classe social. Achamos isto maravilhoso. 
Rua Frei Gabriel Zimmermann - Vila Nova - Jardim da residência dos Wittmann

Rua Frei Gabriel Zimmermann - Vila Nova - quintal da residência dos Wittmann
Estamos sobre o banco -  no rancho


Em nosso alojamento, fazíamos nosso pão no local e bebíamos água da chuva que captávamos e guardávamos. Nossos familiares de Florianópolis não tinham notícias nossas e as que tinham, não eram muito boas - transmitidas nos telejornais nacionais (Abaixo - vídeo de um deles) imagens feitas a partir de helicópteros que sobrevoavam a região. Via-os de nosso seguro abrigo, sem poder entrar em contato com pessoas e outras cidades. Estávamos ilhados - até o momento que encontramos um único telefone publico que funcionava junto à Firma da Cremer. Subindo o morro, caminho por onde fomos levados. A fila para usar o telefone público era grande e o enredo das pessoas durantes suas falas era o mesmo - "Todos estavam bem e tranquilo esperando as águas abaixarem". No momento que conseguimos comunicação com nossos familiares, foi inevitável as lágrimas de ambos os lados. Neste momento, já concluíamos que nossas amigas de apartamento, já deveriam ter subido um pavimento a mais. Mais tarde soubemos que precisaram sair do local - por questão de segurança, através de uma embarcação fluvial. 
Próximo  de onde residíamos com as 5 amigas  que tiveram que sair do edifício -  3° pavimento para o interior de uma canoa como estas - trabalho feito por voluntários que transportavam pessoas e levavam comida para pessoas isoladas - Estas pessoas também tinham outro papel importante - levavam e traziam as notícias. Não tinha luz elétrica e nenhuma informação nos abrigos das pessoas ilhadas
Foto - Agência RBS Jornalismo

Pularam para seu interior a partir do terceiro pavimento. Nosso único bem, neste momento, tinha sido levado pelas águas - o armário
Elevando nossos pertences  para não serem apanhado pelas águas da enchente
As águas subiam e abaixavam ciclicamente e não abaixavam de maneira definitiva. Muitas vezes, o nível subia com dias de sol intenso. Ouvíamos muitas histórias, algumas muito tristes. Nós aproveitávamos para ouvir casos e a história de família contada por nossos sogros, nas noites iluminadas por velas. O pai de nosso sogro veio para o Brasil a partir do Estado alemão  Baden Würtemberg. Tentou se  habituar ao novo país. Sentia muitas saudades da Alemanha. Retornou para lá mas, em função do inverno rigoroso e a saúde dos filhos, retornou novamente para o Brasil para não mais voltar para a Alemanha. A partir disto, ouvimos algumas histórias durante as longas noites e dias de enchentes.

Em dois momentos...
Rua Frei Gabriel Zimmermann - Vila Nova - Frente da residência  dos Wittmann
Rua Frei Gabriel Zimmermann - Vila Nova

A "enchente grande" de 1983, teve início no dia 5 de julho e se estendeu até os  primeiros dias de agosto, ou seja, estamos exatamente no seu aniversário de  31 anos - Início do inverno. Muitos dos voluntários bebiam bebidas destiladas para não adoecerem. Como já escrevemos, teve pequenas enchentes nos meses anteriores de 1983, como ilustram as fotos no início desta postagem.
No início de agosto, quando as águas abaixaram, nossos familiares, através de caminhos alternativos, nos  buscaram. Momentos de emoção. Retornamos para Florianópolis. Voltamos a residir em Blumenau, somente após nosso casamento, que aconteceu em julho de 1984.
Muitas foram as ajudas humanitária. Até os dias atuais guardo uma linda colcha que recebi no centro de distribuição de agasalhos e donativos. Não só o Brasil ajudou, mas também veio ajuda de outros países, como da Alemanha.
O "senhor de bigodes", que nos ajudou no translado dos pertences, o encontramos no ano de 2013, e o reconhecemos pelos bigodes. Ele lembrou dos momentos e finalmente, pudemos agradecer a solidariedade prestada por ele e também por outros, naqueles dias.

Durante o 30° aniversário de enchente o Clic RBS, fez um tipo de diário da grande enchente, para acompanhar a enchente na cidade dia à dia. Para isto,  basta clicar sobre o título para acompanhar. Acompanhe diariamente, um pouco do que foi esta enchente na matéria jornalística.
A enchente que atingiu o Vale do Itajaí em 1983 durou 32 dias. Trinta anos depois, o jornal Santa Catarina relembrou a cheia com o Diário da Enchente. Este material estava om line. Infelizmente não mais está disponível. Felizmente guardamos algumas imagens, listadas a seguir.
Algumas imagens publicadas neste trabalho da RBS. Para conhecer melhor detalhes clicar nos títulos acima .

Foto - Agência RBS Jornalismo:













 Cada um que viveu estes momentos na cidade e região, tem um pouco de história para contar. O tema já rendeu algumas  publicações e tiveram suas primeiras edições esgotadas.

Fotos do Grupo Blumenau Antigamente
1911

















1983
Rua XV de Novembro - em frente ao Ed. Brasília


Rua XV de Novembro
















Igreja luterana do Centro - Cemitério do Centro - Hospital Santa Catarina e Fonte Luminosa

















A primeira edição do Oktoberfest...
 surgiu um pouco mais de um ano após, em 1984.






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