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Idioma originário do norte da Alemanha continua vivo no interior capixaba, onde é língua materna de muitas pessoas. Aulas em pomerano e até um dicionário são iniciativas para a preservação.
Original da região da Pomerânia e hoje pouco conhecido na Alemanha, o pomerano, ou pomerisch, ainda está vivo no Brasil. O idioma é utilizado no dia a dia de muitas comunidades, em especial no Espírito Santo. Iniciativas de valorização ajudam a preservar a língua no estado, que abriga cerca de 120 mil dos estimados 300 mil descendentes de pomeranos no país.
Graças ao Programa de Educação Escolar Pomerana (Proepo), ir à escola já não é motivo de receio para diversas crianças que têm o pomerano como língua materna no município capixaba de Santa Maria de Jetibá. O idioma faz parte do dia a dia da cidade, onde 70% dos 34 mil habitantes são de origem pomerana.
Em 48 escolas do município, cerca de 3,5 mil alunos de até 15 anos participam do programa. Para os alunos da Educação Infantil e das séries iniciais, até o quinto ano, as aulas são ministradas tanto em português quanto em pomerano. Já nas séries finais do Ensino Fundamental, do sexto ao nono ano, os alunos têm uma aula semanal do idioma.
Além de Santa Maria de Jetibá, os municípios capixabas de Domingos Martins, Pancas, Vila Pavão, Laranja da Terra, Itarana e Afonso Cláudio já aderiram ao Proepo. Segundo a coordenadora do programa, Guerlinda Westphal, já se estuda ampliá-lo para toda a rede estadual.
Para Westphal – que é professora, descendente de pomeranos e aprendeu português somente na escola, aos 7 anos –, a consolidação e ampliação do Proepo é uma conquista. "É muito gratificante. Nossa cultura está sendo preservada, valorizada. A língua é um tesouro que nós temos", diz.
Melhor desempenho escolar
Nas escolas de Santa Maria de Jetibá que passaram a ter aulas de pomerano, a melhora no desempenho dos alunos foi expressiva. Em 2008, ano de implementação do Proepo, o índice de aprovação no segundo ano (primeira série) das escolas que adotaram o pomerano foi superior a 80%, enquanto nas demais unidades de ensino foram registrados índices iguais ou inferiores a 50%.
O impacto maior ocorre nos anos iniciais de escolarização da criança. De acordo com Westphal, antes, as crianças chegavam à escola envergonhadas e desmotivadas, em especial os alunos da zona rural, onde quase não existe contato com o português.
O programa conta, hoje, com 15 professores itinerantes e seis regentes de classe. Todos eles já eram falantes quando participaram do curso de capacitação ministrado pelo mestre e doutor em etnolinguística Ismael Tressmann. Durante a formação, foram abordados aspectos históricos, culturais e linguísticos do povo pomerano, além das regras gramaticais.
Idealizador do projeto, Tressmann afirma que muito ainda precisa ser feito. "Uma hora de pomerano por semana na escola é pouco", afirma. Para ele, o ensino formal da língua é importante por dois motivos: por garantir seu registro e manutenção e por respeitar os direitos de todo ser humano de ser alfabetizado em sua língua materna.
Registros escritos
Registros escritos
Além do ensino regular nas escolas, o pomerano é valorizado também por meio de publicações. Tressman lançou o dicionário enciclopédico pomerano-português, ou Pomerisch-Portugugijsisch Wöirbau. A obra, publicada em 2006, é resultado das pesquisas que ele começou em 1995 e contém 16 mil verbetes.
O professor publicou também o primeiro livro escrito em pomerano e editado no Brasil. Upm Land - Up pomerisch språk reúne textos de autores de origem pomerana sobre a vida no campo, com destaque para temas como agricultura, culinária, fauna e flora.
Antes de pesquisar sobre o pomerano, Tresmann trabalhou oito anos no levantamento de duas línguas indígenas sem grafia, onde adquiriu a experiência para fazer o mesmo com a língua pomerana. O doutor em etnolinguística explica que a proposta da escrita foi baseada na fonologia da língua, entre outros fatores.
Tressman sustenta que, ao contrário do que muitos pensam, o pomerano não é um dialeto do alemão. "São duas línguas que nasceram de modo diferente. A ancestralidade da língua pomerana tem a ver com o holandês, com o vestfaliano e até com o saxão antigo", argumenta. Todas essas línguas descendem do baixo-saxão, ou plattdeutsch, afirma o etnolinguísta.
O pomerano foi a primeira língua de imigração do Brasil a ser co-oficializada, juntamente com o português. Hoje, seis cidades têm o pomerano como língua oficial. São elas: Santa Maria de Jetibá, Domingos Martins, Pancas, Vila Pavão e Laranja da Terra, no Espírito Santo, e Canguçu, no Rio Grande do Sul.
Como parte do processo de oficialização da língua pomerana, foi realizado em Santa Maria de Jetibá um censo linguístico. Mais de 24 mil pessoas responderam ao questionário nas duas etapas do censo, em 2009 e em 2012. "Somos os primeiros a levantar dados concretos do número de falantes da língua pomerana no Brasil", afirma a pedagoga Síntia Bausen, que acompanhou o processo. A previsão é de que os resultados do censo sejam publicados até o final deste ano.
Resgate da língua na Alemanha
No norte da Alemanha também há iniciativas para valorizar o pomerano e alguns dialetos do alemão. É o caso do projeto Pommersches Wörterbuch, na cidade de Greifswald, no estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, que coleta e documenta palavras para montar um dicionário.
De acordo com Matthias Vollmer, chefe do projeto, a presença do plattdeutsch nas escolas e universidades tem aumentado há alguns anos, o que também está relacionado com a Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias, ratificada por Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental.
"Na Universidade de Greifswald, os estudantes de alemão podem ganhar um certificado em plattdeutsch como matéria complementar e futuramente lecionar nas escolas, como disciplina opcional", explica Vollmer. Ele também é professor de plattdeutsch e oferece seminários sobre a história e a literatura de dialetos no norte da Alemanha.
O professor destaca que foram lançados diversos materiais educativos para o aprendizado do plattdeutsch. Também está em andamento um projeto que promove o uso lúdico do pomerano e de dialetos do alemão em jardins de infância em Greifswald.
Pomerano no Brasil e no mundo
Em julho passado, foram comemorados os 155 anos da imigração pomerana no estado capixaba. A língua pomerana é falada também em comunidades de Minas Gerais, Rondônia, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Há relatos de que o idioma é falado também nos Estados Unidos e na Austrália. Na Alemanha, ele é hoje praticamente desconhecido. Segundo Vollmer, o pomerano é usado em algumas zonas rurais do norte do país, no estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental – principalmente pelos idosos, na família ou entre amigos.
O pomerano era uma língua oficial e escrita até o ano de 1600, de acordo com Tressmann. A língua era bastante utilizada no comércio marítimo na Idade Média. A palavra Pomerânia designa, até hoje, uma região no nordeste da Alemanha e noroeste da Polônia.
De acordo com uma pesquisa publicada em 2007, o plattdeutsch, que deu origem ao pomerano, é falado hoje, com fluência, por 2,6 milhões de pessoas no norte da Alemanha, onde outras 8 milhões o compreendem muito bem ou bem. Em Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, cerca de 400 mil pessoas falam bem o plattdeutsch.
Data 03.09.2014
Autoria Cristiana Euclydes
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