domingo, 3 de abril de 2022

Mercado Publico - Blumenau já teve um?

Década de 1960.
Em 2015, quando passávamos a pé por uma das ruas centrais de  de Blumenau - Rua Nereu Ramos, Roberto Wittmann chamou nossa atenção para um local em obras, afirmando ser este, no passado, o local do Mercado Público Municipal de Blumenau, onde se comercializavam alimentos, guloseimas e carnes. Neste local, no início da década de 1960, sua Oma Anna Frieda Goll (1896 - 1988) o levava junto e, entre uma compra e outra, também lhe pagava um refrigerante chamado Crusch. Quem lembra deste sabor? O local marcou a infância de Roberto e de muitos contemporâneos seus, através do burburinho, do cheiro, da sonoridade e dos sabores. Local de convergência de pessoas, parte da sociedade de um determinado recorte de tempo histórico que interagia neste espaço público, um mercado público, fato que desconhecíamos. Fomos pesquisar.
Curiosamente fomos estudar a possibilidade de Blumenau ter tido um Mercado Público, como toda cidade brasileira fundada por imigrantes e descendentes de imigrantes portugueses, pois não tínhamos ouvido falar de mercado público na cidade de Blumenau, ou em cidades fundadas por imigrantes e descendentes de imigrantes alemães. Encontramos um artigo, mencionando o Centro de Abastecimento Municipal, também chamado de Mercado de Blumenau. E só. Mas, observando a única imagem que encontramos do local, dentro do próprio artigo, é um espaço que apresenta uma arquitetura, espacialmente falando, muito diferente da arquitetura de um mercado de origem cultural portuguesa. O local onde a Oma Frieda levava Roberto Wittmann, tinha mais semelhança com o conceito e partido de mercado, do que o "Centro de Abastecimento de Blumenau". Os dois lugares, que estavam localizados dentro de uma mesma região e bem próximos, tinham aspectos e comércio de alimentos. O primeiro, munido de boxes de diferentes produtos, voltados para uma área externas apresentava mais características de um mercado público de fato, conhecido no Brasil, de cultura lusa. Lembramos que Blumenau - enquanto municipalidade tinha contato com cidades de cultura portuguesa, como Itajaí e Florianópolis, que naturalmente, a partir de sua cultura, possuíam Mercado Público.  
Carlos Curt Zadrozny.
31/01/1966 a 31/01/1970
Historicamente, o edifício que apresentava o letreiro de "Centro de Abastecimento de Blumenau" teve outros usos antes de ser adequado como mercado público. Como apresentava o mapa acima, estava localizado na frente do antigo Hotel Rex, no espaço entre a Rua Floriano Peixoto e Rua Ângelo Dias - voltado para a Rua Sete de Setembro. Antes de ser usado como "mercado", em 1946 era usado pela Auto Viação Catarinense. Em 1965, o local foi ocupado pela firma  Blusa Comércio de Exportação e Importação SA, concessionária Volkswagen. A concessionária Blusa se mudou para a Rua Itajaí, em gosto de 1967. O local foi modificando, recebendo boxes para comércio e transformando no Centro de Abastecimento Municipal, durante o governo do ex prefeito Carlos Curt Zadrozny. Nesta intervenção de adequação para mercado, o edifício recebeu uma grande parede, criando um pátio interno - utilizando a planta em forma de "C", de uso anterior utilizado pela Blusa.





Acervo Bruno Kadletz.
Muitos, movidos pelo
desconhecimento e até mesmo, existindo um projeto, apontam a "necessidade" de a  cidade possuir um mercado público.
O mercado, como espaço, é uma herança da ágora grega, adotado pelos romanos (pasmem - de onde surgiu a basílica - templo católico romano) e da cultura latina. Os romanos tornaram o ágora grego em espaço com o mesmo uso, porém coberto e com o perfil multiuso.

As primeiras igrejas tiveram origem na planta da basílica de Roma (mercado e tribunal), que era uma adaptação do ágora grego, onde as pessoas se  reuniam para filosofar, falar de políticas, julgamentos, negócios e feiras. Um lugar público. Os romanos resolveram fazer uma cobertura nesse espaço aberto – que tanto apreciavam os gregos. A basílica era um edifício grande oblongo, geralmente composto por uma nave central, duas colaterais e uma ou mais absides. As naves laterais  são mais baixas, por forma a não obstruir as janelas altas (clerestório) na parte superior da nave central. Numa posição bem visível, ao fundo, estava a tribuna que mais tarde seria   adaptada transformando-se no altar e no púlpito do culto cristão.
Quem trouxe o espaço do mercado público para o Brasil foi o imigrante português e espanhol e nunca um imigrante alemão, nos espaços das cidades fundadas por estes. Com isto afirmamos, que não necessariamente a cidade de Blumenau, ou qualquer cidade fundada por imigrantes alemães e seus descendentes, tenham que necessariamente ter um mercado público, onde nas proximidades os "aposentados" irão jogar damas, cartas e xadrez. Não faz parte do perfil cultural e histórico destas cidades. 
Percebemos que muitos, justamente porque são alheios a esta cultura, confundem mercado público com feira. Feira é outra coisa  e tem laços culturais com as cidades fundadas por alemães e também muito comum nas cidades medievais, com predominância, surgidas no período considerado como o período do estilo nacional alemão, cujo cenário é dominante nos contos dos eruditos Irmãos Grimm.
Feira - Alemanha atual. que aumentou os itens que podem ser expostos e comercializados em feiras, muito além de somente origem alimentícia.
A palavra feira teve origem na palavra em latim feria, que significa "dia santo ou feriado” e a palavra freguês, usada para tratamento dos consumidores de feira livre, também tem origem no latim filiu ecclesiae que significa “filhos da igreja”. Concluímos que os fiéis aproveitavam as festas religiosas para se reunirem e para trocarem mercadorias no grande pátio (das igrejas e catedrais medievais). Geralmente, na feira livre atual, há aqueles que observam, pechincham e procuram algo específico. Também há aqueles que criam laços de amizade o que explica a relação entre o comerciante-freguês e a tradição de ir a feira toda semana. 
A feira acontece a céu aberto, mercado público tem uma estrutura sólida e fixa, uma edificação com característicos artísticos culturais locais.

Mercado Público de Itajaí - construído em 1917,  no estilo eclético, influencia dos imigrantes alemães, na cidade, enquanto estilo e não quando o espaço. A antropologia explica. Atualmente é usado como espaço de eventos e gastronomia somente. Foi construído outro Mercado público, cujo produto mais comercializado é o peixe e furtos do mar.

Interior do Novo Mercado público de Itajaí.

Mercado público de Florianópolis - atual - foi construído em 1851, primeiramente no Largo da Matriz,, junto ao mar, transferido, em 5 de fevereiro de 1899,  para a localização atual, na época também à beira-mar.



























Mercado público de Florianópolis  - seus espaços originais receberam novos usos, juntamente com aqueles que existiam, no entanto, não mais com aspectos e valores populares e acessível aos produtores primários, que sempre teve e os quais, nós visitávamos  em nossa infância.


Mercado Público de Blumenau  -  Rua Nereu Ramos
Há um acesso comum para pedestres e automóveis (Somente descarga) - imagens do Google Earth.

Mercado Nereu Ramos - Antiga Galeria Hoffmann - Registro de obras no local em 2015.
Seria ótimo, a exemplo do Beco Becker, que o local fosse resgatado como "Mercado Municipal de Blumenau".
Mercado Nereu Ramos - Antiga Galeria Hoffmann - Registro de obras no local em 2015.

Acesso exato, a partir da Rua Nereu Ramos.

Mercado Nereu Ramos - Antiga Galeria Hoffmann - Registro de obras no local em 2015.

Em obras - Ano de 2015.
Local do Centro de Abastecimento Municipal
Local do "Centro de Abastecimento Municipal" - mercado municipal.
Metade da década de 1970 - Foto de Arno Evandro Gielow
O edifício do antigo Centro de Abastecimento Municipal, foi avariado pela grande enchente de 1983 e temos o registro feito pelo professor e arquiteto Vilmar Vidor , que o fez para a história. Herdamos seus negativos, após sua partida em 2015 e "revelamos" as imagens a partir dos negativos.
Não se sabe, se, realmente, Blumenau teve, de fato um Mercado Público. Mas podemos afirmar que teve um espaço exclusivo para comercialização de alimentos localizado na área central, para onde as pessoas se deslocavam e marcaram a memória de infância de um garoto, que neste local, além das compras, sua Oma lhe ofertava festivamente uma Crusch de laranja, a qual era saboreada lentamente para que este recorte de tempo durasse mais.

Esta postagem permanecerá aberta para receber contribuições e ser complementada, para a história.
-------------
Contribuição do Jornalista Carlos Braga Mueller - via e mail
8 de abril de 2022
Muito bom o assunto mercado público.
Como contribuição:
Na revista "Blumenau em Cadernos" Tomo 4, nº 5, está publicada a biografia de José Ferreira da Silva como ex-prefeito de Blumenau (seguramente foi ele mesmo que escreveu o texto,porque era o dono da revista).
Entre suas realizações como prefeito consta o "MERCADO".
Quando eu era criança, anos 40, lembro que minhas tias compravam nesse mercado peixes (bagres do Rio Itajaí-Açú).
Em matéria do blog do Adalberto Day sobre este assunto, Werner Henrique Tönjes (fomos colegas de aula) cita que o mercado ficava na Rua 7 de Setembro, ainda sem calçamento, e seria nas imediações do atual Shopping Neumarkt.
Minha memória   revela que era um pouco mais acima, onde hoje existe o Himmelblau Hotel.
Não sei porque, talvez porque ir até a Rua 7 era difícil na época, o mercado não durou muito.
Foi substituído pelas feiras-livres.
A feira-livre de que me recordo, ficava na Rua Nereu Ramos, anos 50, no terreno onde a empresa  Germano Stein S.A. construiu um prédio para sua loja, local que hoje é ocupado pela Loja Pittol.
Com essa ocupação a feira foi para o terreno da Blusa, em frente ao Hotel Rex.
Voltou para a Rua Nereu Ramos onde ficou conhecida durante anos como Galeria Hoffmann.
E depois seguiu para onde está até hoje.
Se não me falha a memória, esta é a história, que você conta muito bem.
Mas esse início é muito desconhecido, e responde a tua pergunta.
Blumenau já teve um mercado público. Há 80 anos atrás.
Abraços, 
Braga Mueller
Comentário: Gratidão pela contribuição. Nos fez compreender melhor algumas questões. José Ferreira da Silva tinha origem no litoral onde predominava a cultura lusa,  faz todo o sentido querer construir um mercado na cidade de Blumenau, embora não refletisse que aqui a cultura era outra.

Referências
  • DAY, Adalberto.  O Antigo Mercado Público de Blumenau. Disponível em: http://adalbertoday.blogspot.com/2011/08/o-antigo-mercado-publico-de-blumenau.html Acesso em: 03 de abril de 2022 - 22:30h.
Leituras Complementares - Clicar sobre o título escolhido




Eu sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
Contatos:
@angewittmann (Instagram)
@AngelWittmann (Twiter)













Nenhum comentário:

Postar um comentário