segunda-feira, 2 de maio de 2022

Padre José Maria Jacobs - Enchente de 1880 - Por Gertrud Walli Toni Hering Gross (1879 –1968) - Sogra de Freya Gross - Filha de Friedrich Hermann Hering - Um dos dois fundadores da Cia Hering



Antes de iniciar, explicamos que um dos dois fundadores da 
Cia Hering ficou conhecido somente por Hermann Hering, porque na Alemanha a pessoas recebiam nome composto, sendo que formalmente eram chamados pelo nome da família e na intimidade, entre familiares e amigos eram chamados pelo segundo nome. O exemplo é o nome de Friedrich Hermann Hering que ficou conhecido somente por Hermann Hering. Sua filha Gertrud  Walli Toni Hering Gross que nasceu em 6 de maio de 1879, foi casada com Richard Gross. Ficou viúva em 1931 e assim permanecendo até sua morte, em 1968. Residia do castelinho da Hering, localizado no Bom Retiro. Há pouco tempo ouvimos a seguinte descrição sobre a Frau Gross, que também era sogra de Freya Gross, namorada do Arquiteto Hans Broos.:
"Não tenho maiores detalhes sobre a chegada do arquiteto Hans Broos a Blumenau. Sei que foi acolhido pela Sra. Gertrud  Gross, que morava num palacete que ficou sendo conhecido como “Castelinho”, numa travessa da Rua Hermann Hering, no Vale do Bom Retiro.
A Sra. Gertrud e sua filha eram consideradas excêntricas e “liberadas”para os padrões sociais da época, segundo um amigo da família Hering me contou uma vez. Não sei que grau de parentesco ela tinha com D. Freya Gross." Temos a correspondência original
Nesta época, bastava a mulher ter um pouco de decisão e não precisar de seu companheiro para abrir as latas, penso que já tinha o slogan deliberadas. Descobrimos neste dia 1/ de maio de 2022, que foi uma das que assinou a Ata de Fundação do C.C. 25 de Julho de Blumenau, como fundadora de um centro cultural.

Castelinho da Hering, residência  de Gertrud Margaretha Hedwig Gross  - Fotografia de Patrick Rodrigues.


Foi o suficiente para que achássemos interessante divulgar um artigo de sua autoria, descrevendo o primeiro vigário católico de Blumenau - Padre José Maria Jacobs, que enfrentou turbulências políticas e sociais na Blumenau das primeiras décadas de História e também foi o responsável pela fundação de uma escola - uma das mais renomadas da região e no Estado de Santa Catarina - por onde passaram os nomes da História de Santa Catarina e também, foi o idealizador da Casa São José, responsável pelo desenvolvimento econômico da Rua XV de Novembro e o deslocamento da centralidade de Blumenau para este local - imediações da Igreja Católica, na época que foi construída era uma região muito afastada da centralidade a Colônia Blumenau.
Os links sobre estes temas estão no final desta postagem.













 O Padre José Maria Jacobs
Gertrudes Hering Gross
 
Foi o primeiro vigário da paróquia de São Paulo Apóstolo de Blumenau.
Foi, também, o fundador do Colégio São Paulo, atual Santo Antônio e do respectivo internato. 
Sua batina negra assentava bem na sua alta figura; seu rosto denotava profunda seriedade.
Lembro-me dele ainda muito bem. Meus pais chegaram a conhecê-lo durante a enchente de 1880 e, desde então, vez por outra, fazia uma visita à nossa casa. O fato deu-se assim: Quando, em julho de 1880, o tio Bruno Hering e minha mãe, em companhia de cinco filhos (os dois mais velhos tinham vindo com papai, no ano anterior), chegaram a Blumenau, vindos da Alemanha, aqui chovia muito e, dentro em pouco, o Itajaí ultrapassava as suas margens. 
Este é o tear mencionado por Gertrud - acervo Cia Hering
Papai não acreditava que houvesse uma grande enchente e procurava tranquilizar minha mãe. Até que uma manhã, a água estava em nosso quintal e continuava a subir. Só então, papai, com o auxílio de seu irmão Bruno, começou a transferir móveis e utensílios para o sótão. Mas o novo tear, que foi o começo do desenvolvimento da nossa indústria, não pôde mais ser desmontado. Teve que ser deixado aos azares da sorte. 
Enquanto as águas continuavam subindo sempre, mamãe, com as crianças (eu era levada ao colo) foi rua acima, ainda não tomada pelas águas, a procura de um asilo mais seguro. É fácil imaginar o desespero de mamãe, diante da maneira com que os céus haviam preparado a nossa recepção numa terra estranha. E foi, com voz quase desesperada, que exclamou para o vigário, de pé, ao alto da escada que levava ao adro da igreja: - Senhor padre, nós morreremos todos afogados! 
- Nem tanto, senhora Hering. Suba com as suas crianças. Na nossa igreja ainda há muito lugar! 
Ele nos acompanhou até ao alto. Já muitos moradores haviam procurado abrigo na igreja e o seu número ia aumentando de instante em instante. Como um pai, o padre Jacobs cuidava de todos. Ele mandou cozinhar um panelão de feijão preto e assar pão de milho. Ninguém precisou passar fome e as suas palavras de confiança contribuíram para levantar o ânimo de todos. Somente as noites, sobre os duros bancos e sobre o chão de pedras, deveriam ter sido medonhas, agravadas com a lembrança de como estariam correndo as coisas em casa. 
Apesar de tudo, não faltou o lado cômico. Assim numa noite em que eu, deitada num banco, sob o qual o dentista Hertel se acomodara, de tanto rolar-me, caí-lhe sobre a cabeça e ele, assustado, gritou: - Céus, agora é que as gotas engrossaram! Tais momentos de humor concorreram para desanuviar  o ambiente.  
Aqueles dias de desgraça, criaram laços de amizade entre os refugiados e o padre Jacobs.
Assim é que, ainda anos depois, ele visitava meus pais, entretendo-se, com estes, sobre literatura e a situação mundial, assuntos de sua preferência. Ele tomava-me, então, sabre os joelhos, ocasião em que eu lhe observava atentamente as suas feições. Seus traços deixaram-me impressão tão profunda que eu poderia, ainda hoje, pintar o seu rosto grande e amorenado, os seus olhos escuros e a sua boca pequena. E porque duas das minhas irmãs frequentassem a "Escola do Padre Jacobs" os contatos tornaram-se mais respeitosos, sem perder a franqueza alegre. Nós, com as crianças maiores, ficamos conhecendo as salas de aula, quando eram representadas pequenas peças teatrais, em que as nossas manas tomavam parte. Também conhecemos o professor Pies e o professor Hermann e, igualmente, a madama Murphy, a caseira do Padre Jacobs e, ao mesmo tempo, prefeita do internato. Ela morava em companhia da cega Regina, uma órfã, na antiga capela de madeira. Essa Regina, que apesar da sua cegueira, sabia bordar e costurar, tinha um ouvido muito afinado. E graças a ele, pôde, certa vez, evitar um roubo na igreja. Seu ouvido sentira o fraco ruído e, dado o alarma, o ladrão fugiu. 
Madama Murphy era viúva de um inglês que, à beira do mato, nas proximidades de Blumenau, foi atacado por um tigre, à noite, morrendo em consequência dos ferimentos recebidos. O rancho que ele, a mulher e o único filho habitavam, fora construído com muitas frestas e o tigre (certamente idoso, que dificilmente, encontrava presas no mato) meteu a pata pelas frestas, através das quais farejara a vítima, e apanhou o homem, que dormia sossegadamente e com tanta infelicidade que o mesmo veio a falecer pouco depois.
"Madama", como a viúva era conhecida pelos alunos e pelos maiores também, encontrou acolhida, com o filho, na casa paroquial, e passou a exercer os encargos que lhe foram atribuídos, sempre taciturna, em completa misantropia. Nunca a gente a viu sorrir. O susto que tomou, quando o marido foi apanhado, dormindo ao seu lado, ficou-lhe para sempre estampado no rosto.
Como, naquele tempo, o morro da igreja, com a escola, o internato e as demais construções, não estivesse ainda murado, podia-se ver a grande e severa figura da viúva, movimentando-se da igreja para a capela e desta para a casa paroquial, sempre daqui para ali.
A pequena casa paroquial não ficava muito distante da rua, num jardim algo agreste. junto ao qual estava o apiário. Padre Jacobs era também apicultor.
Residência do Padre Jacobs - Aos fundo da terceira igreja católica de Blumenau
Casa construída com a técnica enxaimel, desprovida de reboca- residência urbana,
com o característico jardim e muitas roseiras e gradil de madeira.
Certa vez, queixou-se ele de que os seus católicos eram cantores medíocres e como aproximava-se uma grande festividade religiosa, perguntou ele a meu pai se alguns dos membros do "Saengerchor" não poderiam também comparecer na sua igreja.
Papai foi ao encontro dos seus desejos e uma parte da Sociedade de Cantores (entre os quais êle mesmo e o tio Bruno) apresentou-se no domingo, na igreja, cantando, com os demais, no côro, os versos latinos do Te Deum e o "Ora pro nobis" que, uma semana mais tarde, foi repetido na sua igreja evangélica também, em louvor de Deus, como faziam frequentemente. Tais relações de cordialidade entre fiéis de crenças diferentes, não detiveram, entretanto, o Padre Jacobs de, no domingo seguinte, trovejar, do púlpito, contra Lutero. Isso, entretanto; os protestantes não lhe levavam a mal, certos de que ele estava cumprindo o seu dever, sem faltar-lhes com a lealdade com que sempre os tratara.
Esqueci-me de mencionar, ainda, que o Padre Jacobs, pouco depois da enchente de 1880, encomendou ao meu irmão Paulo Hering, um trabalho importante: pintar a crucificação de Cristo para a igreja.
Colégio Santo Antônio.
Paulo desincumbiu-se do encargo, tão a contento do padre Jacobs que, além de lhe pagar o preço convencionado, deu-lhe uma expressiva carta de recomendação para Roma, ao monsenhor de VaI, no Vaticano, a fim de que o portador pudesse prosseguir, nas igrejas dali, os seus estudos de arte religiosa, como pretendia.
O que meu irmão, como rapaz de 20 anos, passou em Roma, foi, mais tarde, registrado nas suas memórias.
Quando veio a lei, proibindo a realização de casamentos religiosos, antes do ato civil, o padre Jacobs a ela se opôs tenazmente. As advertências de nada valeram e a autoridade policial (de cujo nome não me lembro mais) viu-se obrigada a agir. O hoteleiro W. Gross, que era, então, suplente do delegado, foi encarregado de prender o  padre. Este, porém, escapara-se para Rodeio, homiziando-se entre os seus leais italianos.
Muito a contra gosto, Gross empreendeu a viagem até lá, acompanhado de policiais. Como se deu a prisão, eu não sei; W. Gross nada contou a respeito. Sei, apenas que, num dia, quando brincávamos diante de uma casa vizinha de W. Gross, vimos passar dois carros de mola e, num deles, estava sentado o padre Jacobs com os olhos parados. Não houve alvoroço popular, nem rostos curiosos. Dos olhos de mamãe, vi que as lágrimas corriam. Todos lamentavam o que acontecera.
O padre Jacobs agiu sempre lealmente pela sua religião. Embora, às vezes, violento, mostrou sempre fôrça de caráter e pode ser tido como mártir.
Nós nunca o pudemos esquecer.


Nosso comentário
Local em Ascurra onde o Padre Jacobs
 ficou escondido para não ser preso.

O Padre José Maria Jacobs, foi um homem nobre e deve ter sofrido muito, após seus  feitos e a escolha da opção de sua vida, entre duas. Optou em vir para Blumenau, e não aceitou o convite de um nobre, para ser o professor particular de seus filhos. Foi uma pessoa culta e objetiva. Fundou a primeira escola de Blumenau, na qual passaram nomes da história de Santa Catarina e assim via e dizia, para ter o futuro, uma cidade deve preparar seus  homens do futuro, a partir da educação. 
Estivemos no local em Ascurra, onde seria seu esconderijo, quando foi perseguido pela polícia de Blumenau. Está neste vídeo - a seguir. Foi "caçado" como se fosse um "fora da lei", pelas lideranças de Blumenau - com predominância luterana - lembrando dos conflitos existentes entre luteranos e católicos. Este esconderijo foi preparado na   Residência da família Buzzi. Foto seguinte e vídeo.
Também nos chamou atenção, conhecer como foram abrigadas flagelados da enchente de 1880, com auxílio também, do Padre Maria Jacobs. Depoimento histórico muito importante, somando ao depoimento feito por August Müller - irmão de Fritz Müller. E finalmente, muito curioso saber que Dona Minna Hering chegou ao Brasil em plena enchente de 1880, com seus filhos e entre eles estava a autora deste artigo - Gertrud, com um ano de idade. Gertrud nasceu em Dresden em  6 de maio de 1879. Interessante sua forma de escrever este fato histórico. Que experiência e primeira impressão que deve ter tido sua mãe quando chegou junto com a grande enchente de 1880, em Blumenau. Sendo esta, uma das maiores enchentes da História da cidade e região, onde foram perdidos muitos documentos históricos, fotografias e casas, inclusive a casa do fundador, Hermann Bruno Otto Blumenau.

Terceira  Igreja católica de Blumenau no dia de sua inauguração - Padre Maria Jacobs na frente da igreja
Projeto do arquiteto alemão Heinrich Krohberger

Igreja projetada por Heinrich Krohberger cujo Pároco era o Padre José Maria Jacobs - inaugurada em 1876 - 4 anos antes da grande enchente de 1880. Rua XV de Novembro - antiga  Wurststraße - Estrada da Linguiça. As pessoas entre elas os familiarares de Gertrud Margaretha Hedwig Gross  dormiram nos bancos desta igreja na enchente de 1880.
A igreja do Padre José Maria Jacobs antes da reforma e ampliação - Acervo do IBGE - Transporte em carro de mola.
Enchente de 1911 nas proximidades da Igreja católica, onde Padre Jabos recebeu os flagelados da enchente, entre eles - a família Hering de acordo com o artigo de Gertrud Gross. Imagem ilustrativa, que foi tão impactante quanto a de 1880.
Uma curiosidade: Gertrud Walli Toni Hering Gross que nasceu em 6 de maio de 1879 e faleceu em 7 de março de 1968, foi aluna de Fritz Müller, enquanto este lecionava na Deutsche Neu Schule.
Ela escreveu em um dos seus relatos sobre Karoline, esposa de Fritz Müller. “Vez por outra, era vista na rua a cavalo. Era uma senhora magra, miudinha, conduzia pessoalmente o zaino, atrelado à singela carrocinha, quando vinha visitar a filha, estabelecida com pequena loja de modista, defronte a nossa casa. 

Um Registro para a História!


Leituras Complementares - Clicar sobre o título escolhido:

 


Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
Contatos:
@angewittmann (Instagram)
@AngelWittmann (Twiter)













Nenhum comentário:

Postar um comentário