sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Sequência Parte I - Livro Germânia - Tácito

Terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Historiador romano que viveu entre 55 - 120 DC. Nasceu e morreu no sul da França, no mundo romano parte da Gália. Embora os dados a respeito de sua infância e juventude sejam muito poucos, se sabe que Tácito casou em 78 DC, com uma filha do general romano Caio Júlio Agrícola.
Entre os anos 100 e 117 DC, o historiador escreveu os "Anais", que contava a história dos imperadores romanos desde Tibério até a morte de Nero. Nas "Histórias", redigidas entre 100 e 110 DC, recriou o período seguinte, que vai até o reinado de Domiciano.
Além dessas obras, Tácito escreveu, como já mencionado anteriormente, Germânia.
 Germânia  foi elaborada ao tempo de Trajano, em plena guerra. O autor quis comparar os costumes corrompidos dos romanos com os, dos primitivos e rudes dos antigos povos germânicos.

















A obra foi escrita no ano 98 DC e os povos germanos foram os destaques por que naquele momento fascinavam os romanos.
A obra tinha como objetivo mostrar aos romanos que estavam em Roma, o que existia em torno do Império que se desfalecia mediante o desenvolvimento.
Tácito descreve Germânia desde a origem da sua população, até a natureza do solo - costumes germânicos e a arte bélica. Faz um estudo, também, dos diversos povos germânicos em suas principais características.
O texto é rico em detalhes sobre costumes religiosos, sociais, políticos e econômicos. Descreve, também, a cultura militar e seus exércitos. Menciona sobre a justiça, leis, vestuário, traços fisiológicos, hábitos alimentares, geografia e calendário.
"A Alemanha apresentava um interesse permanente para os romanos e especialmente para quem, como Tácito, possuía elevado conceito da missão histórica de Roma: Os povos germânicos resistiam com tenacidade a uma profunda penetração da influência romana; e o império não podia tolerar vizinhos poderosos e hostís que limitassem a expansão das Legiões." - DR. G. D. LEONI
A obra Germânia:

Capítulo I - Limites da Germânia

Toda a Germânia está separada dos Gauleses, dos Retos e dos Panônios, pelos rios Reno(1) e Danúbio,(2) e dos Sarmatas e Dacos(3) pelo receio (medo) uns dos outros e por montanhas, o Oceano amplos golfos e imensas ilhas abrange, e outros espaços, há pouco conhecidos, e povos e reis que a guerra revelou.
O Reno dos Alpes Réticos do inaccessível vértice precipita-se em ligeira flexão ao Ocidente, dirigindo-se para incorporar-se ao Oceano Setentrional. O Danúbio, do fraco e pouco elevado cimo do monte Abnoba(4) se derrama, por entre vários povos, até irromper no Ponto Euxino(5) por seis canais; o sétimo é absorvido nos pantanais.
(1) – Tácito apresenta diferentes nomes desse rio, nos Anais. Segundo Estrabão nasce ele no monte Adula, onde é denominado Etzel; para I. Villichio tem nascente em S. Gotardo, de duas fontes separadas uma da outra.
(2) – Nasce no monte Abnoda; é o Baar, no Ducado de Virtembergue; em germânico: Donace.
(3) – É a antiga Dácia, como acredita Estevão Broderitho, compreendendo toda a Transilvânia, a Valáquia e a Moldávia.
(4) – Antigo nome da montanha da Floresta Negra. Tácito fê-la a fonte do Danúbio, e os Romanos aí erigiram um templo à Diana Abnoba. Em Francônia se chama Steygewald; em outros lugares Spesshart; no Ducado de Virtembergue, Die Baar, segundo Ortélio, Hjunio e outros.
(5) – Ou Mar do Ponto. Os italianos o denominamde Mar Maior e os gregos Maurathalassa.

Capítulo II - Fatos Germânicos

Os próprios Germânicos eu acreditava fossem indígenas,(*) e absolutamente sem cruzamento com ádvenas e outros povos estrangeiros; porque os que procuravam mudar de lugar não se transportavam por terra mas em navios, e o imenso Oceano além, adverso dir-se-ia, dá acesso aos nossos navios. Aquele que ante o perigo do hórrido e desconhecido mar, a Ásia ou a África ou a Itália abandonasse, a Germânia buscaria no feio aspecto, áspero clima, triste de habitar e viver se não fosse sua pátria?
Celebram em antigos cânticos, que é a única maneira entre eles de recordar os anais(1) do deus Tristão(2) fautor da terra. E a Mano seu filho,(3) origem e condutor do povo, atribuem-lhe três filhos, cujos nomes dos mais próximos ao Oceano são (denominados) Ingevões,(4) os do meio Hermionos,(5) os outros Istevões. Alguns, que mercê da vetustês, afirmam, decorrem do deus outras denominações, cujo verdadeiro e antigo nome são os Marsos,(6) Gambrívios(7) e Suevos, Vandálios.(8)
Além disso, o nome Germânia, é recente e pouco usado (adotado), mesmo porque os primeiros a atravessar o Reno expulsaram os Gauleses, e agora (depois) são os Tungros(9) que foram então chamados Germanos; assim o nome da nação, não do povo, prevaleceu aos poucos, paulatinamente, e todos (primeiro) antes do nome inventado pelo vencedor (para incutir medo), e pouco depois o nome por eles mesmos inventado se chamaram Germanos.
(*) – Para os romanos indígena significava filhos da terra, natural do lugar, possivelmente autoctones
(1) – Anais: tradição histórica e escrita. Grande parte da extraordinária obra histórica de Tácito está compreendida em seus admiráveis Anais. Os romanos denominavam memória à tradição oral. F. Doudinot de la Boissière.
(2) – Segundo Salomão Reinach conhecia Cesar apenas três deuses germânicos: o Sol, a Lua e Vulcano. Tácito, por sua vez, falando dos gauleses identifica os deuses germânicos ao Pantheon greco-romano. “O uso da semana em sete dias designado pelo nome dos planetas, era já conhecido no fim do segundo século, entre os romanos”. A terça-feira, Mardi dos franceses, dies Martis, já tornou-se Tuesday em inglês, (dia de Tiu ou Tues ou Tyr, o Março Germânico). Os deuses germânicos. Orpheus; Pág. 187.
(3) – Tuistoenem deu em alemão o nome deutsch, segundo Doudinot de la Boissière.
Era a personificação da raça humana: Manno, Mensch — deus das guerras, teve diferentes denominações, Wodan, Wustan, Odin, Odhin. Os latinos os comparavam aos deuses Mercúrio e Marte. Deus da masculinidade: dos homens, em alemão mensch; em inglês: men.
(4) – Sob o nome de Ingevões estão compreendidos os povos que habitavam o litoral no mar do Norte, a embocadura do Reno até o mar Báltico.
(5) – A par dos Ingevões, os Hermionos compreendiam todos os demais povos da Germânia.
(6) – Um dos povos mais antigos da Germânia. Ortélio coloca-os na Frisia, no lugar denominado Oetmarsen, quem poderá afirmar entretanto que esta nação através de tantas provações por que passou haja conservado esse nome?
(7) – Altamiro atribue a esse povo o nome da cidade de Cambrai, nos Países Baixos, na fronteira da França. Hadriano Junio pertence aos que atribuem a esse nome a cidade de Hamburgo; Ortélio acredita em semelhante conjetura.
(8) – Nome que se tornou conhecido na Espanha, onde há reminiscências, com a Andaluzia. Crautzin diz que ocuparam antigamente a Boêmia, Polônia, Rússia e Dalmácia, com o que não concorda Pedro Nivemoncie. Na sua língua eles se denominan Winden ou Venden.
(9) – Diz Tolomeu que são os povos que habitavam entre os rios Mosa e Tabulda, antigo nome do Escalda, em cuja margem se acha situada Anvers. Tácito e Júlio Cesar afirmam serem os mesmos perigosíssimos. Floresceram ao tempo do imperador Diocleciano, segundo escreveu Flávio Vapisco. Villichio diz que a sua cidade mais antiga era Maistricht, destruída pelos hunos; foi reedificada e próximo a ela se acha Tomgeren, que conserva o antigo nome.

Capítulo IV - Aspectos físicos

Eu mesmo propendo à opinião de que os povos da Germânia jamais se aliaram por casamentos a outras nações e não foram desnaturados,(1) e existiram como povo (nação) permanente e puro somente semelhantes a eles próprios.
Daí o aspecto corpóreo (de corpos), não obstante o avultado número de homens, ser o mesmo entre todos: olhos turvos e cerúleos,(2) cabelos loiros, grande estatura, e somente impetuosos no ataque. Para as fadigas e trabalhos, não têm paciência e não podem tolerar a sede e o calor; suportam porém o frio e a fome, em conseqüência do clima e do solo.
(1) – H. Villers, inspirado nos autores romanos opina que o povo germânico era composto de uma raça pura e sem mistura; assim entre milhares de indivíduos da raça germânica, não se reconhecia senão um único tipo, com os caracteres somáticos tão bem acentuados por Tácito.
(2) – A respeito do aspecto físico dos germânicos indicamos a interessante observação de F. Doudinot de la Boissière — Tacite. Oeuvres Choisis. Liv. Hatier. Paris 1932.

Capítulo V - Recursos da Terra

A terra não obstante difira no aspecto, tem geralmente grosseiras selvas (intrincadas florestas) e pantanais; é mais úmida para as partes da Gália,(1) mais exposta ao vento à Nórica,(2) e à Panônia; (3) fértil em grãos, imprópria para árvores frutíferas, abundante em gado, quase sempre pequeno. Nem mesmo possui o ornato que é a glória da sua fronte. Contentam-se com o número, que são suas únicas e agradáveis riquezas.
A prata e o ouro lhes negaram por mercê os deuses em ira. Não se afirma também que nenhum veio a Germânia produza de prata ou ouro: quem foi examiná-la? Não são afeiçoados pela sua posse e uso.
Entre eles vêem-se vasos de prata oferecidos a seus chefes e legados, que consideram tanto como se fossem de barro, conquanto os que nos estão mais próximos usam no comércio do ouro e da prata e conheçam e prefiram nossas moedas: os do interior permutam mercadorias conforme a antiga simplicidade.
Preferem o dinheiro velho e mais conhecido, dentado, com uma biga (carro puxado por dois cavalos). Preferem mais a prata do que o ouro, sem predileção especial, porque o número de pratas (vem da prata) é mais fácil para o uso da compra de mercadorias comuns e de ínfimo preço.
(1) – Essa região, ao tempo dos romanos, era muito mais ampla do que atualmente é a nação francesa; compreendia também muitas províncias da Holanda, da Bélgica, e grande parte da Itália; Júlio Cesar, Plínio e outros descreveram as Gálias.
(2) – Marco Velsero, seguindo Ortélio, dizia que era região da Baviera, tendo ao Oriente a Panônia, ao Ocidente a Suévia, ao Sul a Itália, ao Setentrião o Danúbio. No seu Tesouro Geográfico Ortélio cuida amplamente da região.
3) – Tolomeu e escritores a ele filiados dividem a região em Superior, compreendendo a Áustria, a Caríntia e Carélia, na Inferior todo o reino da Húngria. A. Ortélio, em seu Tesouro Geográfico, consigna esta divisão.

Capítulo VI - Armamentos. Direção da Arte Bélica

Nem o próprio ferro possuem em abundância como se colige (infere), do gênero de suas armas. Raros são os que se utilizam de gládios ou de lanças maiores: usam frâmeas, na sua expressão (linguagem), de fino e curto ferro, mas tão aguçadas e de fácil manejo (uso) que com a mesma arma lutam de perto ou de longe de acordo com as circunstâncias. E a cavalaria (o soldado) se contenta com o escudo e a frâmea; a infantaria lança também (dardos) flexas, grande número cada qual e à grande distância, (andam) nus ou cobertos de um saiote.(2) Nenhuma (jactância) ostentação; enfeitam apenas os escudos das mais variegadas cores. Poucos possuem couraças, apenas um ou outro tem capacete de metal ou de couro.
Os cavalos não são afamados nem pela forma (beleza), nem pela velocidade. Não são amestrados a fazer várias voltas, como é do nosso costume: dirigem-nos (reto) direito para a frente ou em curva para a direita, em um apertado conjunto (esquadrão) de maneira que não fique ninguém à retaguarda. Em estimativa geral há mais vigor na infantaria; e por isso pelejam em conjunto (mixto): cavalaria e infantaria, e se torna útil e perfeita (congruente, conveniente) à pugna dos cavaleiros a velocidade dos infantes, que são escolhidos entre a juventude para a vanguarda do exército.
Estabelecem (fixam) o número: cem para cada aldeia, assim se chamam na sua própria expressão, e o que recebeu o primeiro número (convocação), já, agora, constitui motivo de nome e honra. O exército é composto em forma de cunha. Recuar do lugar, desde que retorne a carga, pensam ser ato de bom aviso de prudência e não de temor.
Trazem os corpos dos seus, mesmo na indecisão do combate. É suprema torpeza abandonar o escudo, e não é permitido ao ignominioso comparecer aos sacrifícios e às assembléias, e muitos que sobreviveram à guerra conjuraram a infâmia com o laço (enforcamento).
(1) – Tácito, nos seus Anais, enaltece a obra de Plínio, o Velho, considerando-o o maior escritor acerca da guerra entre os germânicos: “C. Plinium Germanicorum beliorum, scriptorem”.
(2) – “Sagum” era um capote de lã usado pelos soldados, preso aos ombros.

Capítulos VII - Reis. Chefes. Mulheres

Os reis são escolhidos entre a nobreza, os generais pelo mérito. Nem os reis desfrutam de infinito e livre poder, e os generais mais pelo exemplo do que pela autoridade se impõem; se forem prestos, valorosos, se atuam na vanguarda, despertam admiração.
A ninguém é permitido senão aos sacerdotes, punir, amarrar, e nem vergastar nem como pena, nem por ordem do chefe, mas como por inspiração de deus, que eles creem dirigir as guerras. Efígies e símbolos cintilantes (resplandescentes) levam aos combates; o principal incitamento (encorajamento) à audácia, é que organizam o conjunto (esquadrão) em forma de cunha, não ao acaso nem por fortuito encontro (reunião), mas por famílias e (parentes) vizinhos; e às próximidades em garantia deixam as mulheres cujos lamentos se fazem ouvir, e o vagido das crianças.
São para cada um as mais santas testemunhas, seus maiores (estímulos) louvadores: as mães e as esposas pensam-lhes as feridas; nem se arreceiam de contar ou sugar (curar) as chagas, trazem alimento e entusiasmo (exortação)(1) aos combatentes.
(1) – Antonio Piccarolo traduziu essa parte final elegantemente da seguinte maneira: “os feridos correm para junto das mães ou das esposas, que examinam e curam as feridas, e lhes preparam os alimentos que os encorajam”. A Guerra e a Paz na História. Os povos germânicos no pensamento de Cesar e Tácito. Pág. 123.

Capítulo VIII - Veleda e Aurínea

Rememora-se que exércitos indecisos foram incentivados pelas mulheres, da constância de suas preces e oferecimento de seus seios (peitos), e pelo cativeiro (por eles) pressentido próximo, de que se arreceiarn muito mais para as suas mulheres do que para eles próprios, de tal modo se demanda com mais eficácia o compromisso (fidelidade) das cidades, delas exigindo-se entre as presas (reféns) moças nobres. Acreditam ainda que elas têm algo dc santidade e de (providencial) previdência, não desprezam seus conselhos nem desatendem suas previsões (oráculos).
Vimos sob o divino Vespasiano, Veleda(1) considerada pela maioria, por longo tempo, como deusa; e adoraram, também, algures, Aurínia(2) e outras densas, não por (adulação) lisonja, nem para endeusá-las.
(1) – Profetisa que no reinado do imperador Vespasiano sublevou a Batávia, na Gália do norte. Feita cativa em Roma figurou no triunfo de Domiciano.
(2) – Nome de uma profetisa germânica, que era, segundo Tácito, honrada qual divindade. P. Larousse — Grand Dietionnaire Univ. du XIXmè Siècle. Tome Seizième. Pág. 258.

Capítulo IX - Mercúrio.Hércules. Marte.

Dos deuses o que mais veneram é Mercúrio, que em certos dias acham lícito imolar-lhe vítimas humanas. Hércules e Marte aplacam com animais permitidos. Parte dos Suevos sacrifica também à Isis: donde proveio a causa e origem desse culto estrangeiro, recém (há pouco) descoberto, sob a forma (signo) de uma nave, evidenciando que a religião (é estrangeira) veio de fora.
Alguns e não todos atribuem magnificência aos deuses ou guardam-nos em paredes e assemelham-nos à figura humana: os bosques(1) são consagrados aos deuses, e denominam pelos seus nomes aquele sítio secreto (misterioso), que eles vêem apenas em espírito (reverência).(2)
(1) – “Lucas” era para os Romanos o parque Sagrado, enquanto “nemus” é o artificial.
(2) – Ozanam em 1848 descreveu os cultos germânicos, sob uma visão católica; não existiam templos entre eles, eram adorados nas florestas. Teusch tinha o seu altar na floresta que tomou seu nome, Teutoburgensis Saltus; Herta era adorada em uma floresta da ilha de Rugen.

Capítulo X - Augúrios e Oráculos

São (entre outros povos) os que mais acreditam (observam) nos augúrios e oráculos (sortilégios). O modo (costume) de tirar a sorte é simples. Cortam uma vara de árvore frutífera e espalham discretamente, ao acaso assinalando-as, por sobre uma alva toalha, (pano branco). Ao depois, se houver consulta de interesse público, o sacerdote(1) da cidade, ou o próprio chefe de família, no interesse privado (particular), depreca aos deuses, auscultando os céus: toma-os cada um por três vezes, e os interpreta segundo o sinal observado (notado antes). Se houver proibição, nenhuma consulta se faz no mesmo dia acerca da mesma coisa; se permitirem, exige-se a confirmação dos auspícios.(2)
E aqui também se observa (o sistema) de interrogar as vozes e os vôos das aves. É próprio desse povo experimentar também os presságios e as mensagens (avisos) dos cavalos. Sustentam eles nos mesmos bosques à expensa pública dois cavalos brancos e sem contacto com o trabalho profano (dos mortais); os quais atrelados ao carro sagrado, o sacerdote e o rei, os principais cidadãos acompanham e observam seus relinchos e bramidos (estremecimentos).
Nenhum auspício inspira maior fé, não só ao povo como aos maiorais; os sacerdotes, que se julgam ministros dos deuses, fazem-nos seus confidentes. Há ainda outra maneira de consultar os augúrios, com o qual auscultam as eventualidades das guerras. Ao indivíduo do povo com que se está em guerra, aprisionado de qualquer forma, fazem lutar com um eleito de sua nação, cada qual com suas armas pátrias (nacionais): a vitória desse ou daquele é tida (aceita) como prejulgamento (preságio).
(1) – Tácito foi o primeiro historiador que fez menção de sacerdotes entre os germânicos; nunca houve entretanto entre eles uma ordem sacerdotal da importância das que existiam entre os druidas na Gália; não obstante os sacerdotes germânicos eram os guardiões das insígnias militares da nação; presidiam as assembléias públicas e executavam sentenças capitais por elas pronunciadas; eram os únicos que tinham o poder de vergastar um homem livre.
(2) – Os germânicos auscultavam o futuro por meio de varas rúnicas: varas cortadas de árvore frutífera, nas quais eram inscritos caracteres misteriosos, além de outras formas de oráculos por eles invocados, citados aliás por Tácito. Runa, do germânico Rhüne, eram caracteres alfabéticos de seus antigos povos e dos escandinavos. Ver Brochhaus.

Capítulo XI - Assembléia dos povos Germânicos

Os chefes deliberam sobre as coisas de somenos importância,(1) e as de maior monta decidem todos, de maneira que também tais assuntos, pertinentes (arbítrio) aos assuntos do povo, sejam pelos (principais) chefes prejulgados (anteriormente tratados).
Reúnem-se, quando não haja fato fortuito e imprevisto, em certos dias, nas primícias da lua nova ou da (lua) cheia; porque julgam o momento mais favorável (auspicioso) para entreterem os negócios. Não contam (computam) o número de dias, como nós, mas os das noites. Assim se reúnem, assim se congregam: a noite parece impelir (conduzir) o dia.
Oferecem a desvantagem (inconveniente), de não se reunirem todos (ao mesmo tempo), para não parecerem dirigidos (comandados), e dispendem dois ou três dias em se reunirem, quando a multidão se acalma, eles se sentam armados. O silêncio é imposto pelo sacerdote, que tem o direito (autoridade) de censurar (reprimir).
Em seguida o rei(2) ou o chefe, pela ordem da idade de cada um, segundo a nobreza, segundo a hierarquia guerreira, segundo a eloqüência, se fazem ouvir, mais pela autoridade de persuasão do que pela própria força. Se desagradou a decisão, repelem-na em clangor; mas se agradou, agitam as frêmeas; é a forma mais honrada de assentimento (aprovação), de louvar com as armas.
(1) – Acima de todos prevalecia a assembléia do povo composta de os homens livres.
(2) – O poder dos reis entre as tribos germânicas era menos limitado na Scandinávia. Júlio Cesar denominou o rei Ariovisto chefe comum de todos os Suevos. A realeza era geralmente hereditária, e o rei era escolhido entre as famílias mais distintas como frisa Tácito.

Capítulo XII - Jurisdição

É licito perante a assembléia (concílio) acusar e do mesmo modo conhecer de crime capital. A distinção das penas é feita segundo o delito: os traidores e os desertores enforcam-nos em árvores, os (corruptos) indignos e covardes (infames) afogam nos charcos, sob uma grade. A diversidade de suplícios tem por fim ocultar as infâmias e demonstrar os crimes, durante a punição. E há para os delitos mais leves a penalidade correspondente: em certa quantidade de cavalos e gado são multados os condenados.
Parte da multa pertence ao rei ou à cidade, parte ao próprio ofendido, ou aos seus próximos (parentes). Elegem em as mesmas assembléias os chefes (1) a quem cumpre administrar justiça nas aldeias e (cantões) povoados; cada um possui cem assessores populares para assisti-los (aconselhá-los) e prestigiar-lhes a autoridade.
(1) – Em caso de guerra, escolhia-se entre os mais bravos homens um cabo de guerra, com jurisdição sobre todos, obedecido, por dirigir o exército em combate, enquanto o rei permanecia à frente do povo. Convém examinar a copiosa obra de Panckoucke-.”Germanie”; “Traduit de Tacite, avec un nouveau commantaire”. Paris 1824.

Capítulo XIII - Dignidade das armas

De nada cuidam, além disso, de negócio (coisa) público nem particular, senão armados. Ninguém, porém, segundo o costume das armas, poderá trazê-la antes que a cidade o tenha declarado capaz. Então na própria assembléia ou algum príncipe ou o pai ou parente armam o jovem(1) com o escudo e a frâmea: essa é a toga viril entre eles, a primeira honra para os jovens; antes disso é ele considerado no lar, ao depois (do Estado) coisa pública. Nobreza insígne ou grandes méritos dos pais emprestam aos adolescentes a mesma dignidade de chefe; os demais se reúnem a guerreiros mais experimentados (robustos), e já muito (experimentados) provados, nem têm pejo (ruborizam-se) dos rudes companheiros.
O próprio séquito além disso tem também seus graus segundo a compreensão dos que o seguem; e há entre os companheiros grande emulação na obtenção do primeiro lugar junto ao chefe;(2) os chefes têm a emulação de congregar o maior número de companheiros e os mais valentes.
O que constitue a sua dignidade, o que faz o seu prestígio é estarem cercados sempre de uma multidão de jovens escolhidos, apanágio na paz, reduto (auxílio) na guerra. Se a sua companhia (séquito) sobressai pelo número e valor, o seu nome e a sua glória não se limitam somente ao seu povo, chegam até as cidades vizinhas; são, pois, procurados por meio de legados (embaixadas) e cumulados (ornados) de honrarias e na maioria das vezes decidem as guerras com a sua fama (o seu renome).
(1) – Era nas assembléias do povo que se admitiam os jovens entre os demais membros da cidade, ao mesmo tempo que eram escolhidos os juizes dos cantões, que por sua vez eram assistidos por cem homens livres escolhidos entre o povo.
(2) – O chefe do bando era o guerreiro mais forte, caçador mais arrojado, e posteriormente seu filho e seu neto. A ele os Germânicos hipotecavam fidelidade por ocasião de solenes sacrifícios celebrados à sombra dos majestosos carvalhos, já muito antes de serem os chefes denominados reis ou duques. Emil Ludwig — Die Deutschen pág.18.

Capítulo XIV - Chefes para a vitória. companheiros pelo príncipe

Assim como em combate é deshonroso ao chefe não exceder em coragem, é vergonhoso à companhia não igualar em valor ao chefe. Na verdade é (opróbrio) para toda vida e infamante a sobrevivência na guerra ao seu chefe:(1) defendê-lo, garanti-lo, acrescer-lhe a sua glória as suas próprias proezas constitui o seu principal (sagrado) juramento: os chefes lutam pela vitória, os companheiros pelo chefe.
Se a cidade em que nasceram, em longa paz e ócio entorpece, a maior parte dos nobres adolescentes procura aquelas outras nações que se empenham em guerra, porque o repouso é desagradável (ingrato) a essa gente e porque para eles se torna mais fácil sustentar uma grande companhia (séquito) pelo saque e pela guerra; exigem, pois, da liberalidade dos chefes o mesmo cavalo na guerra, e a sangrenta (cruenta) frâmea da vitória, acepipes e adornos abundantes ainda que grosseiros preferem em vez de soldo. A munificiência é paga pela guerra e pela pilhagem.
Nem arar a terra ou esperar a colheita anual é tão fácil para eles como provocar o inimigo e ser ferido; acreditam além disso ser preguiça inépcia (inércia) adquirir pelo suor o que se poderia obter pelo sangue.
(1) – Quando para a vitória algum chefe convida os mais valentes para um assalto, esses são os companheiros para a vitória, porque como explica Piccarolo “os que aderem ao convite são considerados mais valentes e, faltando à palavra dada, caem no desprezo e são chamados de covardes e traidores.”

Capítulo XV - Tempo não dedicado a guerra

O tempo que não dedicam à guerra, passam um pouco a caçar,(1) mais tempo porém, votam ao ócio entregues ao leito e à mesa; os mais fortes e aguerridos nada fazem; cometidos o cuidado do lar e da família e dos campos, às mulheres e aos velhos e às pessoas mais fracas de cada casa: vivem na ociosidade, sendo de admirar a contradição da sua natureza, o de terem apego à inércia e odiarem o repouso (quietude).
É costume das cidades fornecer expontânea e separadamente aos chefes certa quantidade de rebanho ou de cereais, aceitos como uma honra, que, além disso, vêm em auxilio de suas necessidades.
O que mais apreciam são os donativos dos povos vizinhos, não só os remetidos pelos particulares, mas também pelo público (governo): cavalos escolhidos, pesadas armas, arnéses e colares; já os ensinamos também a receber dinheiro.
(1) – Depois da ocupação mais apreciável aos germânicos, a guerra, eles dedicavam particular interesse à arte cinegética: caçar para eles significava combater; era uma espécie de guerra, e as suas florestas escondiam entre os animais selvagens desde o lobo ao urso, javalis, uma espécie de vison e bois selvagens, assim como também grande quantidade de aves de presa e falcões.

Capítulo XVI - Habitam isolados e esparsos

Nenhuma cidade é habitada pelos povos germânicos segundo o que consta (se sabe), e eles não permitem que as habitações se agrupem (se juntem). Moram isolados e esparsos conforme lhes tenha agradado uma fonte, um campo, um bosque.
Não instalam as aldeias à maneira nossa com edifícios(1) contíguos ou juntos (ligados, juntamente): cada um cerca a sua casa de um espaço (intervalo), ou seja remédio (prevenção) contra casos de incêndio ou por incompetência em edificar. Nem (não) fazem uso de alvenaria (cimento) ou de telhas: empregam material completamente rústico e sem beleza e aparência.
Cuidam da casa diligentemente, esfregando-a com terra fina e brilhante que imita pintura (as cores da pintura), costumam também abrir subterrâneos cobertos de grossa camada de estrume, refúgio de inverno e depósito de cereais, porque se resguardam do rigor do frio em semelhantes lugares, e se chegarem inimigos, devassam os campos abertos, mas as riquezas ocultas e (ignoradas) enterradas iludem (o inimigo), porque devem ser procuradas.
(1) – As habitações entre os germânicos eram muito precárias, um fosso e muralha circundavam as casas construídas próximas à habitação do chefe: era a defesa contra o inimigo. Construídas de maneira rudimentar, não apresentavam a menor arte: postes talhados a machado, ligados pelos ramos de salgueiro e barreadas com argila e palha; sob o mesmo telhado abrigavam-se as pessoas e os animais, conjuntamente. Corresponde com a admirável tradução de Sir Williain Peterson. Agrícola and Tácito. Harvard University Press. 1939.

Capítulo XVII - Vestuário

O vestuario de todos é o saiote, preso por fivela, ou na falta desta por um espinho: quanto aos mais, dos cobertos, passam os dias inteiros junto ao fogo. Os abastados se distinguem pelas vestes não flutuantes, como fazem (usam) os Sarmatas e Perthas(1) porém justos (apertados) e revelando as formas. Trazem também peles de animais: aqueles que ficam próximos à praia, peles mais comuns; peles mais preciosas (exquisitas) os que ficam no interior, porque a ninguém é fornecido adorno dc comércio.
Procuram animais (escolhidos) e mesclam (espargem) com peles arrancadas de outras peles manchadas de animais, que o Oceano Setentrional (exterior) e (ignoto) desconhecido mar produzem.
As vestes femininas não diferem das dos homens, salvo apenas quando as mulheres se cobrem com mantos de linho e os tingem de púrpura, e não ampliam às mangas a parte superior do vestido, trazendo os braços nus; a parte superior do seio (peito) fica descoberto. Ainda que sejam severos os casamentos, nada causa maior admiração (coisa alguma) em seus costumes:
— São quase os únicos dos bárbaros que têm uma só mulher, excetuados os poucos, que não por incontinência, mas por motivo de nobreza, são solicitados (acercados), por muitas esposas.
(1) – Nada tem a ver com os Phartas arsacidas, que conquistaram a Pérsia, no ano 256 A. C.

Capítulo XVIII - Do matrimônio

A mulher não (dota) oferece dote ao marido, mas o marido à mulher. Interferem os pais e os parentes e verificam os presentes; presentes não para despertar (vaidade) à mulher, nem para com eles se adornar a nova esposa, porém bois e um cavalo arreado e um escudo com a frâmea e o gládio.
Com tais presentes é a mulher aceita, e por sua vez ela própria oferece algumas armas ao marido: imaginam nisto o mais profundo vínculo, o arcano misterioso de sua união, o desígnio dos deuses.
Para que a mulher não se julgue alheia às cogitações de coragem e aos eventos da guerra, é advertida (nesse sentido) pelas próprias cerimônias do matrimônio,(1) cujas prímicias como companheira de trabalhos e perigos do marido, com quem deve sofrer e lutar (ousar) não só na pz como na luta; os bois jungidos, o cavalo equipado, as armas doadas, assim lhe ensinam.
É assim que devem viver, é assim que devem perecer: recebe um depósito para intacto (inviolável) e digno a seus filhos restituir, e que (o qual) suas noras receberão e por sua vez transmitirão aos netos.
(1) – A pureza dos costumes dos germânicos, em grande parte, determinou a santidade de seus casamentos e a intimidade da vida em família, fato esse registado com verdadeira admiração pelo escritor romano que ora traduzimos.

Capítulo XIX - Mulheres e Libertos

Envolvem-nas a pudicicia,(1) sem as seduções dos espetáculos, sem as exaltações dos banquetes. Os maridos e as mulheres ignoram o mistério das cartas Em tão numeroso povo muito poucos são os adultérios, cuja imediata punição é permitida aos maridos: de cabelos cortados, desnuda na presença dos parentes, o marido a expulsa de casa e a persegue, de açoite por toda a (povoado) aldeia; não há na verdade perdão, não encontrará marido, nem tendo beleza, nem tendo riqueza.
Ninguém lá se (ri) diverte com o vício, nem o corromper e ser corrompido é o viver como o século. Melhor procede ainda a cidade em que só as virgens podem casar e que somente uma vez se fixa o limite para o voto da mulher.
Assim só se vêm um marido da mesma forma que há um só corpo e uma só alma (vida), para que seu pensamento não vá além e seu desejo (cupidez) não seja mais (prolongado) intenso, para que amem o marido, tanto como o matrimônio. Limitar o número dos filhos ou matar algum nascido, é considerado infâmia pois os bons costumes valem aí mais do que as boas leis.

(1) – A respeito da pudicícia de que os germânicos sempre fizeram grande estimação, escreve Piccarolo que eles porfiavam em se manterem puros por muito tempo, “abstendo-se de toda relação sexual. Uma das coisas mais feias e reprováveis para eles é ter relação com mulheres antes dos vinte anos.”

Capítulo XX - Filhos robustos como os pais

Vivem no lar nus e sujos, e assim crescem com esses membros e corpos de que nos espantamos. Cada mãe(1) cria (amamenta) seus filhos,(2) e não os entregam a criadas nem a amas. Nenhuma distinção há entre o senhor e o escravo quanto à educação: vivem entre seus rebanhos, e na mesma terra até que a idade separa os livres e o mérito os tornam conhecidos. Conhecem tarde mulheres, e isto (prolonga) conserva-lhes a juventude (puberdade).
Nem se apressam em casar as filhas; devem (os nubentes) ser iguais em corpo, idade e forças: e assim se transmite (refletem) a robustez dos pais. Os filhos das irmãs gozam no lar tio da mesma estima (honra) como em casa do pai.
Alguns pensam que semelhante parentesco é mais precioso e íntimo (laço de sangue). Quando recebem reféns os preferem com o mais seguro e firme ânimo de conservar o lar.
Todavia os filhos são os herdeiros e sucessores dos pais, e ninguém faz testamento. [Se não são livres] os irmãos, os tios paternos, os tios maternos. É mais agradável (considerada) a velhice aos que têm mais afins; não há vantagens entre eles em não constituir família.
(1) – Vislumbram os escritores na sobriedade da vida familiar germânica essa grande veneração que eles diapensavam às mulheres virtuosas: não usavam outros adornos que a sua longa cabeleira loira, e explendiam no frescor da pele rosada; traziam apenas as suas vestes de lã presas à cintura por um cordão vermelho.
(2) – As crianças viviam quase nuas, de maneira que entre os outros povos, entorpecidos pela moleza, dificilmente vingavam seus filhos nos primeiros anos; causava admiração que os germânicos fizessem crescer as crianças, com magnífica saúde, sem berços e sem agasalhos. Desde o seu nascimento eram resguardadas como criaturas livres e portadoras de direitos. Não se encontra entre os germanos nenhum traço do poder absoluto e despótico, como entre os romanos o Pater Potestas.

Capítulo XXI - Inimigos e amigos

É necessário ser inimigo dos inimigos do pai ou dos parentes e amigos de seus amigos; não duram (implacavelmente) porém as inimizades; porque até o homicídio é compensado com certo número de ovelhas e toda a família recebe esta satisfação (reparação), o que é coisa útil para o público, pois são mais perigosas as inimizades quando há liberdade.
Nenhum povo se ocupa com maior entusiasmo de banquetes e hospitalidade. Porque constitui (coisa nefasta) grande maldade negar a casa a alguém; cada qual recebe com manjares preparados de acordo com as possibilidades (posses).
E quando nada resta para oferecer àquele mesmo que o hospedou, o conduz e juntos entram à casa de vizinho sem convite. O que não importa: os dois são tratados com humanidade. Ninguém distingue o conhecido do estranho.(1)
E é costume entre eles não negar nada ao que parte (o que se vai); e o que fica tem a mesma facilidadie em pedir. Apreciam as dádivas e não se obrigam pelos recebidos: (A cortesia é um ato de hospitalidade).
(1) – Entre povo algum na antigüidade a hospitalidade foi mais largamente exercida como entre os germânicos; o hóspede era recebido onde quer que fosse e com ele o dono da casa repartia as suas provisões. Prática tão adiantada poderia ter influenciado espíritos de escol como J. Del Vicchio, quando escreveu o seu admirável estudo acerca da “L’Evoluzione dell’Ospitalitá”. “Hospes, hotes” — estrangeiro, inimigo, aforisma romano que traduz claramente o espírito inamistoso que presidia as relações entre povos de pátrias diferentes, na antigüidade, a esse respeito consulte-se o nosso trabalho “Curso de Direito consular” — 1a. parte “Fontes e Histórico”. Edição Cultura” — 1938.

Capítulo XXII - Alimentos e cerveja

Ao se levantarem da cama (do sono), que prolongam a maior parte do dia, lavam-se primeiro a maioria das vezes com água quente, porque é quase sempre inverno nessa terra. Depois de lavados, come cada um em assento e mesa à parte. Depois vão armados para os seus negócios, e muitas vezes aos banquetes.(1) Não têm por deshonroso passar todo o dia e toda a noite bebendo.
E assim de ordinário há rixas e desavenças que não acabam com palavras mas a maioria das vezes com ferimentos e morte. Empenham-se também nos banquetes em reconciliar os inimigos, de contratar casamentos e de eleger seus chefes, e finalmente das coisas da paz e da guerra, porque em outra ocasião o espírito (ânimo) não está mais apto para as cogitações simples, não eutusiasma tanto para as grandes empresas (cogitações).
E com ser essa gente pouco astuta, e sagaz, descobrem os seus íntimos segredos; mais ainda revelam suas intenções. Podem ao dia seguinte desdizer-se (retratar-se), porque receia-se o que haja entre os dois tempos (ontem e hoje): e assim decidem (deliberam) quando não podem fingir, (agem) resolvem quando não podem errar.
(1) – Como bem recorda Périgot, freqüentemente nos banquetes é que os germânicos deliberavam acerca dos mais importantes negócios.

Capítulo XXIII - Alimentos e cerveja (Bis)

Fazem certa bebida de cevada(1) e trigo, fermentada à semelhança de vinho; os que habitam próximos à margem (do Reno) compram vinho. Os seus manjares (alimentos) são muito simples, maçã silvestre, caça abatida no momento (carne fresca) e leite coalhado: sem aparato, sem acepipes (requintes da mesa) dominam (expelem) a fome. Mas não usam dessa temperança com respeito à sede. E se lhes dessem de beber quanto quisessem, mais facilmente seriam vencidos pelo vício do que pelas armas.
(1) – Com a cevada e a aveia eles faziam uma espécie de cerveja, muito apreciada, além do hidromel, outra bebida feita com água e mel. A principal alimentação dos germânicos era a carne.

Capítulo XXIV - Espetáculo

Os espetáculos são todos de um único gênero: mancebos nus, a quem o exercício(1) é seu divertimento, saltam (se arrojam) entre espadas e frâmeas em riste. O exercício dá-lhes arte, a arte a graça, sem nenhum interesse ou remuneração porque recebem como prêmio (mercê) de sua temerária ousadia o prazer dos que estão presentes (espectadores).
É coisa notável, mesmo sem terem bebido, fazem cabedal de jogar dados, com tanta temeridade em ganhar ou perder, que, quando já não lhes resta nada, em derradeiro e desesperado lance apostam (jogam) a liberdade e o corpo. E o que perde (o vencido), torna-se por sua própria vontade escravo: e ainda que mais moço, e mais robusto deixa-se amarrar e vender. E são tão obstinados nessa perversão que ainda dizem que é por manter a palavra (por boa fé). Vendem os escravos assim havidos para se livrarem também da vergonha de semelhante vitória.
(1) – Desde a infância eles enrijecem seus corpos com todas as espécies de exercícios; lavavam-se com água fria em qualquer estação do ano, e mesmo os recém-nascidos eram banhados em água fria, segundo a tradição de escritores antigos, muito embora Tácito se referia à saepius calida, cap. XXIII.

Capítulo XXV - Direção dos lares

Não se servem de outros escravos(1) como fazemos nós, que empregamos cada um em seu mister: qualquer deles tem sua casa, e governa os seus penates. E o senhor faz-lhe pagar um tributo em grão, ou em gado (ovelha), ou em vestes, como se fora um lavrador: porque a mulher e os filhos prestam outros serviços à casa.

Raras vezes espancam o escravo ou o amarram, ou forçam-no a trabalhar: porque matam-nos, não por castigo, nem severidade, mas quando cegos de palxão ou de cólera como se fora algum inimigo, ainda que o façam sem nenhuma penalidade.
Os libertos são pouco mais estimáveis que os escravos, e por exceção têm autoridade em sua casa, jamais na cidade, exceção feita àqueles povos que são governados por reis. Porque ai podem (valem) mais que os libertos e os nobres; que em outras terras a desigualdade da condição dos libertos(2) é prova da liberdade.
(1) – Não obstante fossem os escravos considerados indignos de trazerem armas, privilégio dos homens livres, a sua vida entretanto era suportável, e seus filhos cresciam, sem qualquer distinção, com os filhos de seus senhores, o que produzia sólida união entre eles.

(2) – Acentua bem Dumesimil que “libertino” — libertino é filho do liberto, isto é forro, segundo comentou Eduardo da Silva Chaves.

Capítulo XXVI - Agricultura

Não sabem dar por interesse (juros); nem acrescentar o cabedal com usura, o que é observado como se fora proibido. Todos os moradores de uma cidade segundo seu número ocupam os campos que são partilhados entre eles, conforme a qualidade (dignidade) de cada um; e podem fazê-lo facilmente (comodamente) devido à amplidão do campo.(1) Mudam de terra todos os anos e ainda lhes sobra a terra.

Porque não procuram aumentar com o trabalho sua fertilidade e grandeza, plantando pomares, cercando os prados e regando as hortas: da terra (impõem) exigem somente o trigo. Do que não dividem o ano em tantas estações: o inverno, a primavera e o estio têm nomes (são conhecidos), desconhecem o outono e as suas dádivas (frutos).
(1) – Os germânicos jamais trocariam o prazer da guerra pela agricultura. Amavam todavia, a natureza e sobretudo a vida livre do campo; não construiam cidades porque as consideravam prisões. Os historiadores romanos se referem às intimas cidades que afinal nada mais eram do que as habitações dos chefes. Larousse. Op. cit. Tomo VIII. Pág. 1221.

Capítulo XXVII – Funerais sem pompa

Não (têm) usam nenhuma (vaidade) pompa nos enterros: incineram os corpos dos varões ilustres(1) com certo lenho. E não lançam à fogueira nem vestes nem perfumes: só queimam nela as armas do morto, e algumas vezes o cavalo.
Erigem a sepultura de relvas (céspides): desprezam a vanglória do lavor dos monumentos como coisa grave e molesta aos defuntos. Deixam bens as lágrimas e os prantos, e tardiamente a dor e a tristeza. O pranto (é honesto) convém às mulheres e a recordação aos homens.(2) 
* * *
Isto é o que em geral aprendemos da origem e dos costumes entre todos os germanos: agora faremos referência aos ritos institucionais de cada povo, e em que diferem uns dos outros, e assim também as nações que da Germânia passaram (imigraram) às Gálias.
(1) – Assim como também os corpos dos guerreiros valorosos. Brockaus.
(2) – Tácito neste capítulo escreveu admiráveis ironias; o seu estilo é nascido de sátiras e epigramas.

Capítulo XXVIII – Gauleses na Germânia Germânicos na Gália

O divino Júlio (Cesar) o mais eminente autor refere que o poder dos Galos fora maior nos tempos antigos; e assim parece verosímil, que eles (gauleses) tenham passado também para a Germânia. Porque muito pequeno era o obstáculo de um simples rio para que a nação, segundo ia prevalecendo (fortalecendo), não deixasse suas terras por outras, que eram comuns a todos e ainda indivisas? De maneira que os Helvetios(1) tiveram todas as compreendidas entre a floresta Hercínia e os rios Reno e Meno;(2) posteriormente os Boios, passaram mais adiante entre ambos povos da Gália. Resta ainda o nome de um lugar chamado Boiano (Boêmia), e significa recordação daquele povo (habitantes).
Não se sabe ao certo se os Araviscos,(3) separando-se dos Osos — (nação Germânica) passaram à Panônia ou os Osos para se apartarem dos Araviscos vieram à Germânia (imigraram) pois ainda usam a mesma linguagem, leis (instuições) e costumes; porque sendo antigamente uns e outros tão pobres quão livres tinham (eram) os mesmos bens e males entre ambas as margens.
Os Treviros(4) e Nérvios(5) pretendem descender dos Germânicos (origem Germânica), como se por essa honrosa descendência não se semelhassem em frouxidão (inépcia) aos Gauleses. Não há duvidar que os povos que habitam as margens do Reno são Germânicos, como os Vangiões,(6) os Tribocos,(7) os Nemetos.(8)
Os Úbios(9) ainda que mereceram ser colônia dos romanos preferem que os chamem Agripinenses, de nome de seu fundador, coram (envergonham) de sua origem, porque tendo se apossado desta parte foram conservados para experiência de sua fidelidade sobre a mesma margem para que a defendessem e não para serem vigiados (prisioneiros).

(1) – São os Esguiçaros ou Suíssos. Esta nação das Gálias ocupa ainda a mesma região por Tácito assinalada. Está muito afastada entretanto do rio Meno; a antiga Heivetia era muito maior do que a atual Suíssa.
(2) – É o atual Mein, em português Meno. Ortélio evidencia a pouca diferença das regiões ribeirinhas, e regista sua passagem por Francfort e pela Francônia.
(3) – Já referidos por Plínio; habitavam antigamente as margens do Danúbio; Tolomeu localiza-os na Panônia Inferior ou Hungria; para Villichio poderiam ser os habitantes de Rab ou Stigônia.
(4) – Da cidade situada à margem do Mosela; é Trier, sede do arcebispado que fornecia um dos Eleitores ao Império.
(5) – Nação da Gália Belga; para Becano são os de Andenarde, cidade do condado de Flandres; opina porém Marliano que são de Dornick ou Tournay da mesma província.
(6) – Querem os autores que sejam de Worms, mas Pyrchaimero pretende sejam de Speir ou Spira.
(7) – São os da Alsácia e Strasburgo, segundo Pyrâmio e Renano.
(8) – Para Ortélio são da Spira.
(9) – Nome antigo: Os Úbios, posteriormente tomaram o nome de Agripa, que, segundo Estrabão, fez passar os Úbios para além do Reno. Opina Tácito, no Livro XII dos Anais, que este nome proveio de Agripina Augusta, sobrinha e mulher do imperador Cláudio. Atualmente é a cidade de Colônia, em alemão Koeln.

Capítulo XXIX – Batavos, matiacos-campos

Os Batavos(1) são os mais valorosos de todos esses povos, possuem pouca terra à margem do Reno porém ocupam (habitam) uma ilha; em tempos passados foram dos Catos, e por certa revolta interna vieram para estas (terras) plagas, para se sujeitarem ao domínio romano. Restou-lhes a honra e o testemunho da antiga aliança; não são molestados por tributos nem vexados com os impostos: pois para deles se servirem na guerra deixam-nos de reserva como armas e dardos.
Concedem os mesmos favores (obséquio) ao povo Matíaco;(2) porque a grandeza (reverência) (domínio) do povo romano chegou a estender-se além do Reno, e além dos antigos limites a magnificência dos Romanos. E assim ainda que vivam e habitem a sua margem estão por espírito e vontade conosco; quanto ao mais se parecem aos Bátavos, a não ser que recebem ainda da sua própria terra e clima a sua crueldade (o seu aspecto acre) (aspereza).
Não contarem entre os povos da Germânia, mesmo que fiquem estabelecidos além do Reno e do Danúbio, os que cultivam os campos Decumates:(3) a gente mais leviana dos Gauleses, cuja pobreza (incitava) exaltava o atrevimento, ocuparam estas terras de propriedade incerta; depois invadiram nossos limites e elevando mais adiante a administração (guarnições) se acham em meio do império como parte de uma província.
(1) – Tácito faz menção dos Bátavos nos livros IV e V de suas Histórias e também nos Anais: extendem-se para a ilha da Holanda, porque na antiga Batávia estava compreendida também o bispado de Utreeht, conforme Villichio, e parte da província de Gelders.
(2) – Ortélio, Hadriano Janio, Meire e outros, convêm que são da Zeelândia.
(3) – Agri Decumates ou Campos dos Dízimos. Villichio diz que são uma parte do ducado de Vitembergue. ParaS Lipsio não há nenhum lugar certo para localizá-los, porque acha ele que eram todas as terras que pagavam dízimos com seus frutos. Cicero, aliás, denomina “decumanus ager”, todas as terras sujeitas ao dízimo.

Capítulo XXX – Os catos

Pouco mais adiante habitam os Gatos desde os primórdios da floresta Hercinia,(1) não em lugares tão planos e extensos nem com tantos pântanos, como as outras (regiões) povos, com que se apresenta a Germânia, porque continuam pelas colinas, que se vão diminuindo aos poucos, e a floresta Hercinia segue (acompanha) sempre os Gatos até abandoná-los. Este povo é o mais robusto, seus membros mais reforçados, e têm o aspecto mais hirsuto o maior vigor de ânimo.
E como entre os Germânicos, são homens de muita inteligência e sagacidade: porque elegem para os cargos pessoa escolhida, obedecem a seus chefes e guardam seus postos, (compreendem) conhecem as ocasiões, diferem em ímpeto, aproveitando-se do dia, fortificam-se à noite; têm por fortuita (duvidosa) a fortuna e o valor por coisa segura o que é muito raro, e só a conseguem pela disciplina romana; fazem maior cabedal do comandante (chefe) que do exército.
Toda sua força consiste na infantaria, que sobrecarregam além das armas, de utensílios e (vitualhas) provisões: as outras pessoas perceber-se-ia vão ao combate, os Catos para a guerra. São raras as escaramuças e fortuito o combate. Porque coisa própria à cavalaria é preparar logo a vitória, e depois retirar-se: a velocidade denota temor, a dilação constância.
(1) – Muitos foram os escritores antigos que se referiram a essa célebre floresta, e em particular Cesar, no livro VI do “De Bello Gallico”. Pompônio esclarece que em viagem, para atravessá-la, levava-se sessenta dias. Hoje está muito diferente do que era na antigüidade, e tem vários nomes, segundo as regiões, como Steygerwalt, Westerwalt, Schwartzwalt, Spesxart, Aufftden, Hartz, Thuringerwalt, Bchemerwalt.

Capítulo XXXI – Ainda os Catos

O que entre outros povos da Germânia é usado raras vezes, e por atrevimento de alguns, já está introduzido entre os Catos,(1) é o costume de deixar crescer o cabelo e a barba, quando se tornam adultos, e não deixar este hábito votivo, (preso) obrigando-se à coragem, até que tenham matado um inimigo. Então sobre o seu sangue despojos descobrem (reclamam-se) o rosto e pensam haver cumprido o tributo de seu nascimento e que se tornam merecedores da pátria e dos pais; os imbeles e covardes continuam repelentes (aspecto tenebroso).
Os mais valentes trazem o anel de ferro (coisa ignominiosa entre eles) qual vínculo a que não podem livrar-se, senão com o resgate da morte de um inimigo. A maior parte dos Catos aprecia esse hábito, e ainda que já estejam encanecidos são assinalados (apontados) aos seus e aos inimigos.
Eles são os que iniciam as batalhas; formam sempre a vanguarda, terriveis à vista; porque nem mesmo em tempo de paz serena o (aspecto) rosto (semblante).
 Nenhum deles tem casa nem herdade e nem cuidado: onde chegam são respeitados, pródigos do bem alheio e menosprezadores do seu, até que a débil velhice os tornem incapazes para tão rude (dura) virtude.
(1) – Hadriano Junio, Giorgio Fabrício e Abraão Ortélio afirmam que são da Hássia; mas Villichio opina que são de Heilprun, Heildeberg, e de outras terras além, até os Esquiçaros.

Capítulo XXXII – Usípios e Tenteros

Os Usípios(1) e os Tenteros(2) estão mais próximos dos Catos e habitam a margem do Reno, que desliza (cupo alveo) tão amplo (fixo) que pode servir de limite. Os Tentores além da reputação que alcançaram na guerra, levam grandes vantagens sobre todos os outros na disciplina equestre (cavalaria); nem menos estimada (louvada) entre os Tenteros é a sua cavalaria que a infantaria dos Catos.
Os seus antepassados legou-lhes o exemplo e os pósteros os imitam. Estes são os brincos infantís, a emulação dos mancebos: em que perseveram mesmo anciãos. Dão-lhes cavalos como parte da transmissão da herança: e não os recebem como a as outras coisas o primogênito, mas aquele que se mostre mais fero e pronto (melhor) para a guerra.
(1) – Tácito situa-os próximo ao Reno; Villichio considera-os de Cobeltns (Coblença).
(2) – Descreveu-os Villíchio como os habitantes de Hássia e parte da Francônia, o que está mais de acordo com Tácito. Para Hadriano Junio são de Drent.

Capítulo XXVIII – Bruteros

Os Bruteros(1) foram outrora (lindeiros) comarções dos Tenteros: mas agora segundo a narrativa ocuparam suas terras os Chamavos(2) e Angrivários,(3), depois de terem expulsado e destruído totalmente os Bruteros com o consentimento das nações circunvizinhas, ou por ódio que lhe votavam conseqüente de sua soberba ou pelo desejo (prazer) da presa ou por alguma mercê particular que foram servidos de fazer-nos os deuses; já que também não nos negaram o gosto de semelhante espetáculo.
Mais de sessenta mil pereceram não pelas armas e dardos romanos, porém coisa ainda mais gloriosa que é, para entretenimento e recreação de nossos olhos. Depreco aos deuses se não nos tiverem amor estas gentes, ao menos continuem a se odiarem, já que declinando o destino do Império, não pode a fortuna fazer-nos maior favor, do que com a discórdia (dissenção) de nossos inimigos.
(1) – São os habitantes de Munster e Westfália até Ofenburgo, segundo Villíchio e também de Adriano Júnior; habitaram a margem do rio Lipa. Cornélio Kempa afirma serem agora os habitantes de Brockanesland, na Frísia Oriental.
(2) – Para Tolomeu este povo habitava entre o Albis e o monte Meliboco; (Mísnia Hardtwalt), e segundo Villíchio são da mesma província. Há quem julgue que legaram o nome à Campen, na província de Overyssel.
(3) – No Mapa da Antiga Germânia de Ortélio os encontramos entre os rios Visurgis e Albis. Afirma entretanto Altamiro que são os habitantes de Engern, antigo nome de Tangermunt, na Antiga Marca. Villíchio refuta esta opinião.

Capítulo XXIV – Agrivários – Chamavos, Dulgibinos – Chasuaros

Os Angrivários e Chamavos estão encerrados (fechados) pelos Francos os Dulgibinus(1) e Chasuares,(2) e pela frente pelos Frísios.(3) São denominados maiores ou menores Frísios, qual expressão do seu poderio.
Ambos os povos se extendem pelo Reno até o Oceano, compreendendo lagos imensos por onde já navegaram as frotas romanas. Porque além disso tentamos por aquela parte o próprio Oceano: e diz-se que ainda subsistem as colunas(4) de Hércules, ou seja porque tenha vindo Hércules a estas plagas ou porque todas as obras grandiosas (magníficas) que existam as atribuímos na conformidade de seu renome. Nem faltou intrepidez a Druso, mas o Oceano obstou se colhessem informações ao mesmo tempo a respeito dele e de Hércules.
Depois ninguém mais tentou e pareceu mais sagrado e reverente acreditar nas maravilhas dos deuses do que (esclarecê-las) penetrá-las.
(1) – Para Villíchio são de Halbestadt, de Brunsvick e Hildesheim. Segundo Altamiro são de Goettinghen e parte da Vestfália.
(2) – No entender de Altamiro são da Hungria, e legaram o nome de Cassel.
(3) – Estão divididos em Frísios Orientais e Frísios Ocidentais.
(4) – Comenta com erudição Silva Chaves: “Essas colunas de que fala Tácito, eram provavelmente as duas extremidades da ilha Scandia (hoje Scandinávia) e a Zelândia. A frota de Druso teria avançado para fazer descobrimentos, até a Jutlandia”; op. cit. pág. 78.

Capítulo XXV – Chaucos e Frísios

Até aqui foi o que desvendamos da Germânia pelo Ocidente; remonta por uma grande flexão (curva) até o Setentrião. Os Chaucos(1) mesmo que sejam os primeiros na terra dos Frísios e ocupem uma parte do litoral, contornam todas as nações que nomeei, até que dão volta para os Catos.
Não só possuem os Chaucos (tão) imenso espaço de terra mas também ocupam-na toda, e esta é a nação mais nobre entre todos os Germanos e a que preza melhor conservar sua grandeza pela justiça. Vivem quietos, retirados, sem (rispidez) avidez, não provocam guerra, nem praticam rapina e latrocínios.
E o que constitui o maior argumento de sua virtude e valor, é que chegaram sem fazer injúria a ninguém a ser superiores a todos; estão sempre prontos para a guerra e se fora de mistér seguirão com um exército, porque possuem elevado número de homens e de cavalos; e não é menor a sua reputação na paz.
(1) – Ptolomeu divide-os em Maiores e Menores. Para Villíchio são os habitantes de Groningen, na Frísia; os Maiores são de Bremen, Luchemburgo até Hamburgo. Tolomeu é de opinião de que os Menores habitavam entre os rios Embs e Veser, e que atualmente são os povos da Frísia Oriental.

Capítulo XXXVI – cheruscos e Fosos

Ao lado dos Chaucos e Catos habitam os Cheruscos(1) os quais como não eram atacados gozaram de ociosa e demasiada paz: e isto com mais gosto (alegria) do que segurança (prudência), porque muito enganado vive (aquele) o que se persuade que deverá restar (permanecer) tranqüilo entre poderosos e insolentes: porque onde tudo se deva levar pelas armas, são a (equidade) justiça e a modéstia os nomes dos mais fortes.
E assim os Cheruscos que deviam ser homens bons e justos, são agora chamados covardes e estultos; e a boa sorte (fortuna) dos Catos vitoriosos tornou-os considerados e sábios. Atingiu também à ruína dos Cheruscos os Fosos,(2) povo vizinho, seus (associados) companheiros na adversidade, não havendo participado da sua prosperidade.
(1) – Habitavam janto ao Albis, no entender de Tolomeu. Vários escritores situam-nos junto aos rios Sal e Albis, no lugar denominado Zerbst, ligando-os ainda à parte da Turíngia. Para Abraão Ortélio são de Mansfeldt; para Hadriano Junio, os de Luxemburgo.
(2) – São os habitantes de Thietmarsia.

Capítulo XXXVII – Gloria Insigne ao renome dos címbrios

Os Címbrios(1) estão naquele mesmo golfo da Germânia próximos ao Oceano, e habitam agora uma cidade pequena, porém de grande glória. Os seus vestígios subsistem ainda, e em ambas as margens há vastos acampamentos e espaço, por cujo âmbito pode medir-se a grandeza e poderio desse povo e crer na fidelidade desse imenso exército. Havia seiscentos e quarenta anos estava fundada a nossa cidade, quando se ouviu falar pela primeira vez das armas dos Címbrios sob o consulado de Cecílio Metelo e Papirio Carbão e se desde então computarmos até o segundo Consulado do imperador Trajano, acharemos pouco mais de duzentos e dez anos: tanto há que andamos a conquistar a Germânia. E entre espaço tão grande de tempo houve muitos revezes de parte a parte.
Nem os Samnitas, nem os Cartagineses, nem as Espanhas, nem as Gálias, nem ainda os Partos nos inquietaram tantas vazes: mais dura é de vencer a liberdade dos Germanos que o reino de Arsace.(2) Com o que não se poderá objetar o abatido Oriente, senão com a morte de Crasso, tendo perdido ele próprio o seu Pácoro, sob Ventídio?
Os Germanos porém, depois de terem desbaratado ou prendido Carbão e Cássio e Aurélio Scauro e Servilio Scipião e Cneo Maneo arrebataram cinco cônsules ao povo Romano, tiraram também desde Varo a Cesar três legiões; e não os venceram impunemente Caio Mário na Itália, e o divino Júlio nas Gálias, e Druso e Nero e Germânico em suas próprias terras; e depois de tudo isso ludibriaram as grandes ameaças de J. Cesar.
Gozaram do ócio (paz), até que nossas discórdias e guerras civis lhes deram ocasião para depois de haverem destruído os alojamentos de inverno das legiões, entrar nas Gálias, de onde foram outra vez rechaçados e há pouco sujeitaram-se aos nossos triunfos como se tivessem sido vencidos.
(1) – Consagrados autores descreveram esta nação, e dos prejuízos que causaram aos romanos, quando finalmente foram vencidos por Caio Mário; há completa referência de Floro, E mesmo que Tácito informe que ao seu tempo era mesquinho povoado, ampliou-se mais tarde de tal forma que compreendia todas as terras entre Lübeck, Hamburgo, Ivislandt, Holstein e Schleswig até o Scage. Para A. Ortélio se denominava outrora Cherconeso Címbrica.
(2) – Fundador da dinastia dos arsasides.

Capítulo XXXVIII – Suevos

Agora falaremos dos Suevos,(1) os quais não formam uma só nação, como os Catos e Tenteros; ocupam a maior parte da Germânia separados em nações próprias e de nomes diferentes, ainda que geralmente se chamem Suevos. Trazem para distingui-los o cabelo amarrado com um nó: porque assim se fazem conhecer os Suevos entre os Germânicos, e se diferenciam os nobres dos escravos (servos).
Entre outros povos usa-se pouco esse costume senão entre alguns que são aparentados com ao Suevos, ou fazem-no, como ordinariamente sucede, a sua imitação, enquanto são moços: mas os Suevos mesmo depois de encanecidos usam da mesma maneira, lançados sobre os ombros e muitas vezes prendem-no em cima da cabeça; os chefes trazem-nos como paramento.
E apenas nisto procuram parecer bem, mas inocentemente; pois não o fazem para amar ou serem amados, e deixam crescer até certa altura para atemorizar mais os inimigos na guerra, aos olhos do inimigo (a sua vista).
(1) – Grande parte da antiga Germânia era ocupada por esse povo, como aliás evidenciou Tácito, Estrabão, Tolomeu e outros escritores. O mesmo Tácito e Eutrópio denominavam “Legião” a extensão territorial compreendida pelos povos da nação Sueva; Tolomeu aponta entre eles os Semnones e Angilos ou Anglos. Estrabão refere-se aos Calduros, enquanto Orozio cita 54 nações. Atualmente estão estabelecidos na outra parte do Danúbio, na referida “Legião”; consoante Villíchio, também era compreendido entre os Suevos os Vindélicos e alguns dos povos Rhéticos, também chamados Suevos. Legaram o seu nome ao mar Suévico.

Capítulo XXXIX – Sem nomes

Os Sem nones(1) afirmam serem eles os mais antigos e nobres dos Suevos; a crença em sua vetustês está confirmada pela religião. Porque em certo tempo (fixado) do ano se reúnem por meio de seus embaixadores (legados) todos os povos do mesmo sangue em um bosque consagrado pelos Numes (Auguros) de seus pais, e por antiga superstição, e com o sacrifício público de um homem celebram os horríveis (primeiros) princípios de seus ritos bárbaros.
Cultuam também esse bosque com outra cerimônia: ninguém nele penetra senão amarrado, em sinal de inferioridade (dependência) para confessar com isto o poder divino. Se acaso cai, não se pode levantar: mas deverá arrastar-se (rolar) pelo chão. A superstição se funda na persuasão de que eles tiveram sua origem nesse lugar, e que aí reina o deus senhor de todas as criaturas a quem todas as coisas estão sujeitas e obedecem.
O que aumenta mais a autoridade e grandeza (fortuna) dos Semnones: possuem cem (povoados) cidades, e com o poder sobre elas se persuadem de que são a cabeça (capital) dos Suevos.
(1) – Nobilíssima nação dos Suevos, localizadas próximas ao rio Albis; consoante Villíchio ficam situados os Suevos em Ravelbergue, Ratenaw e Brandemburgo, e nos confins da Saxônia.

Capítulo XL – Lombardos e os adoradores de Herta
Quanto aos Lombardos(1) pouco são encarecidos: cercados de numerosas e valorosas nações, eles se mantêm em meio de combates. e quase periclitam. Os Reudignos(1-a) em seguida e os Avinhões(2) os Anglos(3) e os Varinos(4) e os Eudósos(5) e os Suardões(6) e os Nuitões(7) são defendidos pelos rios ou florestas. Nada de notável possuem em particular, ainda que em geral adorem Herta,(8) que significa a mãe Terra, que intervém segundo acreditam nas coisas humanas e visita os povos.
Em uma ilha do Oceano há um bosque chamado Casto e há nele consagrada à deusa um carro coberto com um véu; apenas a um certo sacerdote é permitido tocá-lo. Ele sabe quando a deusa está em seu santuário e com profunda veneração (unção) a acompanha quando ela vai puxada por novilhos. Aqueles dias então são de alegria, estão em festas os lugares, quaisquer que a deusa considere dignos de sua vinda e visita( hospedagem).
Não vão à guerra, não pegam em armas; todo o ferro fica guardado (fechado); a paz e o repouso apenas são observados, então somente são amados, até que o mesmo sacerdote retorne ao santuário com a deusa, saciada da companhia dos mortais (homens).
Depois o veículo (carro), o véu e se quereis crer, a própria deusa, são lavados em um lago secreto; servem ao cerimonial escravos que ao depois o próprio lago consome (absorve). Do que um terror secreto e uma santa ignorância acerca da natureza do mistério que somente é desvendado aos que vão perecer (morrer).
(1) – Villíchio coloca-os em Madenburgo e Halberstadt; antigamente constituía uma parte dos Suevos, depois entraram na Itália, dirigidos pelo seu chefe Aboino e ocuparam toda a Insúbria, atualmente Milão; o nome de Lombardia tornou-se extensivo à região, em 588, segundo Paulo Emílio, ou 579 conforme Blondo: reinavam na região, quando Carlos Magno venceu o seu rei Desidério.
(1-a) – Altamiro coloca-os na Holsatia.
(2) – Altamiro louvado em Rhenano, diz que são os habitantes da Holsatia, o que é contestado por Villíchio.
(3) – Parte dos Suevos, que chamados em auxílio pelos Britânicos contra os Scotos e Pictas, ocuparam depois toda a ilha Britânica. Seu primeiro rei foi Egberto, no ano 97D.C.
(4) – Habitantes da Nova Marca (Neuwe Marckt); AItamiro pensa ser a cidade de Warmia ou Frawenstat, na Prússia.
(5) – Para Altamirano são da Nusina. Ortélio consigna esse povo no seu Mapa da Antiga Germânia; entende no entanto Villíchio que são os habitantes dos confins da Pomerânia.
(6) – Para Altamiro são os de Mísnia; Villíchio situa-os nos confins da Holsátia e Pomerânia.
(7) – Rhenano propende a acreditar ser a terra de Nuithalandt, que é a dos Esquiçavos; Tolomeu os denomina Gythones e os coloca muito longe.
(8) – Deusa Nerthus de Schleswig, significa a subterrânea. Tácito a identifica com a Terra Mãe. S. Reinach descreve a sua procissão com o caráter de uma festa agrária, destinada a secundar o despertar da natureza na primavera.

Capítulo XLI – Hermunduros

Esta é realmente a parte dos Suevos que se estende mais internamente na Germânia: a cidade mais próxima de nós (irei seguir agora o Danúbio como pouco antes fiz com o Reno), é a dos Hermunduros,(1) povo fiel aos Romanos; e por isso são apenas eles entre todos os Germanos os que não negociam à margem do Reno, mas muito para o interior até a preclara colônia da província Rehcia.
Passam livremente por todas as partes sem guardas; e ainda que aos outros povos ostentamos nossas armas e acampamentos (exércitos) a eles, que não cobiçam, abrimos nossas casas e herdades. Na terra dos Hermunduros nasce o rio Albis(2) (Elba), rio célebre e conhecido antigamente: apenas agora relembrado.
(1) – Villíchio diz que são parte da Boêmia, e parte da Mísnia.
(2) – Rio assás conhecido entre os escritores antigos, especialmente referido por Tolomeu e Sêneca; os alemães o denominam Elba; os boêmios Labe, nome este proveniente do número de suas onze fontes, ou de tantos rios que nele desaguam. O Elba para os alemães significa onze. Nasce em Risenbergue, montanha da Boêmia.

Capítulo XLII – Nariscos –Marcomanos – Quados

Próximos aos Hermunduros ficam os Nariscos (1) e depois os Marcomanos(2) e os Quados.(3) São mais estimados (apreciáveis) e mais poderosos os Marcomanos, e ganharam pelo valor a terra (país) que possuem, e expulsando dela os Boios.(4) Nem lhe são inferiores (degeneraram) os Nariscos e Quados. Está à fronteira da Germânia até onde a envolve o Danúbio.
Os Marcomanos e Quados através do tempo até nossos dias mantiveram reis de sua própria nação, da nobre estirpe (sangue) de Maroboduo(5) e de Tudro, agora toleram que os governem reis estrangeiros, ainda que esses reis não tenham mais poder sem que lhes emprestem a autoridade romana.
Raramente os ajudamos com as nossas armas, porém freqüentemente com dinheiro, sem o que nada valem.
(1) – Segundo Giorgio Fabrício, Villíchio e Cuneo são de Voitlândia.
(2) – Villíchio coloca-os na Morávia, desde Olmuntz até a Posônia ou Presburgo, cidades situadas às margens do Danúbio.
(3) – Para alguns escritores são da Áustria; Dubrávio entretanto coloca-os na Silésia, enquanto Villíchio na Morávia inferior perto de Iengerndorff e parte da Silésia.
(4) – São provenientes das Gálias, atravessaram o Danúbio e penetraram a Germânia onde ocuparam a Baviera. Legaram o seu nome à Boêmia, no entender de Ortélio e outros.
(5) – Trânsfuga que igualmente como outros chefes como Catualdo se refugiaram em Roma, e possivelmente ministraram a Tácito preciosos informes acerca dos germanos.

Capítulo XLIII – Outros povos germânicos

Ficam para atrás os Marsignos, os Gottinos,(1) os Búrios,(2) encerram a retaguarda dos Marcornanos e dos Quados. Dos quais os Marsignos e os Búrios nos costumes e linguagem lembram os Suevos;(3) pela língua galeusa que falam os Gottinos e pela Panônica dos Osos nota-se que não são Germânicos e sofrem tributos. Pagam (são impostos) tributos como estrangeiros, parte aos Sarmatas,(4) e parte aos Quados; e os Gottinos para maior afronta (vilipêndio) trabalham nas minas de ferro.
Todos estes povos ocupam poucas planícies, vivem em grandes florestas e pelos montes (serras). Divide ao meio a Suevia uma cadeia contínua de montanhas, e de outra parte há muitas outras nações, destas a que se estende mais ao longe é a dos Lígios, cujo nome está difundido entre muitas cidades. Bastará nomear as mais poderosas: os Árias,(5) os Helvecões,(6) os Manimos,(7) os Elísios,(8) os Naarvalos.(9) Entre os Naarvalos existe um silvedo (bosque) da antiga religião. Preside-a (religião) um sacerdote que anda vestido com traje de mulher, segundo a interpretação dos romanos os deuses são Castor e Pollux. Denomina-se a esta forte deidade Alces.(10)
Não há nenhuma imagem, nem resquício de superstição estrangeira; adoram-nos, entretanto, como irmãos, como jovens.
Os Árias além do poder que têm superior a estes povos há pouco enumerados, são temíveis (insidiosos), e aumentam com artifício o seu fero aspecto, segundo as circunstâncias do momento: negros são os seus escudos, pintados seus corpos; escolhem as noites para os combates e pelo pavor e sombra do tenebroso exército infundem terror, nenhum inimigo resiste ao estranho e infernal aspecto: porque em todos os combates primeiramente são vencidos os olhos (pela visão).
(1) – Villíchio se contrapõe à opinião de Altamiro de que os Marsignos aludidos por Tácito são os Marsignos de Tolomeu, deveriam ter ocupado parte da atual Silésia.
(2) – O escritor Lazio situa-os em Gottenbergue, cidade da Boêmia, onde há parcas minas de prata.
(3) – É muito provável que esteja certo Villíchio ao colocá-los à margem setentrional, enquanto os Araviscos se encontravam à superior, compreendendo parte da Morávia, Presburgo e as terras situadas entre os rios Grã e Wage.
(4) – Giorgio Brum acompanhando Renzônio diz que habitaram a ilha de Bernholm, no mar da Suévia. Cristovão Pyrâmio, coloca-os na Silésia, mais concorde aliás com Tácito.
(5) – Ver Capítulo XXXVIII.
(6) – Telêmaco os divide em europeus e asiáticos; para Ortélio a européia é a Rússia e a asiática a Tartária; Tácito engloba na européa a Polônia.
(7) – Povo dos Lígios consoante Tácito. São da Silésia. Villíchio coloca-os em Ar, ilha da Dinamarca, onde há lembrança desse nome.
(8) – Pertenciam a uma parte dos Lígios na Silésia; Ortélio coloca-os próximos ao rio Oder.
(9) – Lagio situa-os em Mamharczpergue, entre a Floresta Hercínia e o Danúbio. Helúsios ou Heleviones, tomo os denomina Plínio; são segundo Altamiro os povos de Bornholm, ilha do mar Báltico; segundo Villíchio da ilha de Heil.
No seu Mapa da Antiga Germânia, Ortélio afasta-os do rio Odera (Oder); na Nova Marca e confins da Pomerânia.
(10) – Ao nome que Tácito dá aos Dioscursos germânicos, Alces, como pretende S. Reinach, é ainda hoje inexplicável.

Capítulo XLIV – Outros povos germânicos

Além dos Ligios(1) os Gótões(2) são governados pelos reis, com um pouco mais de prestígio do que os outros povos da Germânia, sem prejuízo todavia da liberdade. Logo em seguida do lado do Oceano estão os Rúgios,(3) e os Lemóvios;(4) e todos estes povos trazem qual insígnia escudos redondos, gládios curtos e respeito (obediência) aos reis.
Deste lado há a cidade dos dois Suinões,(5) no mesmo Oceano, além das forças de terra e são poderosas as suas frotas. A forma dos navios é diferente, porque em ambas as extremidades da proa sempre prontas para abordar de frente. Não dirigem navios à vela nem unem aos flancos ordem de remos: mas deixam soltos os remos, como fazem em alguns rios; mudam-nos conforme a necessidade de qualquer dos lados. Há também entre eles o orgulho da opulência, e por isso apenas um impera (ordena), sem exceções, o não precário direito de ser obedecido.
Não conservam em comum as armas, como se dá entre outros Germanos, mas fechadas (guardadas) sob custódia, a cargo de um escravo, porque o Oceano impede os ataques súbitos dos inimigos; além disso uma multidão de gente com armas às mãos no ócio facilmente promete excessos; na verdade não é de utilidade aos reis colocarem à frente de seus exércitos nem nobre, nem livre, nem mesmo liberto. 
(1) – É objeto de menção no livro XII dos Anais de Tácito. Villíchio situa-os na Silésia.
(2) – Segundo Ptolomeu habitavam a Ulterior ou Oriental margem do Vístula; os habitantes da região denominam o rio de Wixel, onde está situada atualmente a cidade de Lentz, como pensa Villíchio; não se poderá afirmar serem os Godos referidos pelos nossos escritores cujo nome ainda persiste na ilha de Gothland.
(3) – Villíchio e Altamiro consideram-nos de Rugenlandt, ilha do mar Báltico.
(4) – Na opinião de Villíchio são da Pomerânia Inferior, das cidades de Stolp, Laumpraz e Colbergue; Cuneo acredita que são de Lisland.
(5) – Habitavam as ilhas do mar Báltico em frente à Pomerânia.

Capítulo XLV – Litoral dos mares suevos

Mais além dos Suinões há outro mar parado, que não faz movimento algum o qual acreditam cinge e cerca o orbe da terra, porque o último resplendor do sol quando se põe se prolonga ainda até que torna a levantar-se, de maneira a ofuscar as estrelas; além disso há a credulidade de que se ouve o ressoar do sol quando imerge no Oceano e se vêem figuras de cavalos e os raios da sua cabeça; até aqui é verdadeira a fama porque tão grande é o poder da natureza. Ao remontar-se porém às costas do mar Suévio encontramos os Estios,(1) com os mesmos costumes e leis (ritos) que os Suevos, ainda que a linguagem se pareça mais com a dos Bretões.
Adoram a mãe dos deuses. E como insígnia de sua religião (superstição) trazem figuras de javalis: porque isto lhes serve de arma e amparo (tutela) aos que (cultuam) reverenciam a deusa, mesmo entre os inimigos.
Raro é o uso do ferro, é mais freqüente o uso de bastões. Dispensam mais cuidado ao trigo e outros grãos e com mais paciência do que se poderia esperar da indolência comum aos Germânios.
Além disso exploram também o mar. E são os únicos povos que depois colhem às praias o âmbar, a que chamam glesum(*). Não cuidam de inquirir ou de saber o que seja, como bárbaros, (ignorantes) que são da natureza, nem como se engendra; e foi por muito tempo confundido com tudo que o mar vomita (arroja) até que nosso luxo lhe deu nome.
Não fazem nenhum uso (dele): trazem-no bruto (como o encontram) e recebem admirados o pagamento. Melhor porém se poderá conjecturar que é suco de alguma árvore, porque muitas vezes se vêem transluzir alguns animais terrestres e voláteis, que se enleiando e endurecendo-se essa matéria ficaram metidos nela.
Sou de opinião de que há nas ilhas e terras do Ocidente, assim como nos afastados confins do Oriente, florestas mais férteis e bosques onde se produzem (distilam) o incenso e bálsamo, que espremido e derretido pelos raios de sol vizinho escorrem para o mar próximo, e pela violência dos ventos (tempestades) é impelido para as praias opostas.
Ao experimentar-se a natureza do âmbar, levando-o ao fogo, arde como o chá, produzindo uma chama oleosa e de forte odor; em seguida amolece como pez ou resina.
Os povos dos Sitões(2) confinam com os Suinões. Em tudo semelhantes só diferem deles em que os governam uma mulher: tanto degeneraram dos povos livres como dos escravos.
(1) – São da Prússia; segundo Tácito recolhiam o âmbar; atualmente os alemães os denominam de Augstein, e os da Prússia Pernstein.
(*) – Em alemão “glesse”, em inglês “glas” = vidro. Claudiano escrevia: “In celsas curgunt electra columnas”. Electron dos antigos.
(2) – São os habitantes da Finlândia, segundo Villíchio.

Capítulo XLVI – Fim da Suévia, o mais é fabuloso

Aqui se acaba a Suévia. Estou a hesitar (duvidar) se hei de descrevê-los entre os Germanos ou Sarmatas, os Peucinos e os Venedos(1) os Fenos,(2) mesmo porque os Peucinos(3) por alguns denominados Bastarnas em sua linguagem, a casa e morada, fazem (imitam) como os Germânios.
Todos geralmente são sujos e preguiçosos em virtude da mistura dos casamentos mostram alguma coisa do aspecto horrível dos Sarmatas. Os Venedos participam muito dos seus costumes; porque erram pelos bosques e montes que se elevam entre os Peucinos, e como os Fenos são salteadores. Eles devem todavia de preferência ser considerados germânicos, porque constróem casas e trazem escudos e gostam de caminhar a pé: contrariamente dos Sarmatas que vivem em carro e a cavalo.
Os Fenos são sob todos os aspectos selvagens e miseráveis (paupérrimos): não têm armas, nem cavalos, nem casas; alimentam-se de ervas, vestem-se com peles, a terra é o seu leito: todo o seu recurso consiste nas flexas, que à falta de ferro armam com ossos pontudos. E com a mesma caça sustentam os homens e as mulheres; elas (as mulheres) os acompanham e pedem parte da presa.
As crianças não têm outro abrigo contra as feras e as chuvas senão refugiando-se em alguma choça de ramos: aí se recolhem os moços, aí se resguardam os velhos. Julgo entretanto que é maior felicidade isto, do que gemer e lavrar os campos, construir casas, aventurar-se entre a esperança e o temor dos bens próprios e dos alheios: vivem seguros contra os homens, seguros contra os deuses, e alcançaram coisa assás difícil: não terem necessidade nem mesmo de desejar.
O mais é fabuloso: como que os Helúsios(4) e os Oxiônes(5) têm o aspecto (cabeça e rosto) de homens, e os corpos e membros de feras (animais): asim deixarei de cuidar disto, como de coisa ainda não averiguada (legendária).
(1) – Villíchio situa-os entre os rios Vístula e Kronos (Wixeli e Memel) onde está situada a cidade de Koenigsbergue.
(2) – Segundo Altamiro são da Prússia e confins.
(3) – Ocupavam a Polônia, na opinião de Villíchio.
(4) – Povo misturado aos Lígios.
(5) – São pouco conhecidos; não há menção dos mesmos nas terras do Norte. São muito parcas as referências de Tácito.

       
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