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terça-feira, 24 de junho de 2025

Visita de Joaquim Insley Pacheco, Gastão de Orleans - o Conde D'Eu a Blumenau - Dezembro de 1884

No século XIX, a região do Vale do Itajaí, território de Blumenau, tinha grande carinho pela família imperial brasileira, ao ponto de existir em uma programação anual, em agenda oficial, o "Baile de aniversário do Imperador". Na agenda oficial havia um dia, 2 de dezembro, para esse evento  - Baile do Imperador, no qual os súditos de D. Pedro II, que falavam alemão como sua mãe Dona Leopoldina (austríaca de nascimento), festivamente emitiam um "Viva o Imperador!".
Imaginem, pois, Blumenau na década de 1880, recebendo o marido da princesa herdeira do trono brasileiro, e genro de D. Pedro II. Que providências, no seio dessa sociedade blumenauense, foram tomadas para receber um membro da família imperial brasileira?
A família, com a presença da filha de D. Pedro II, Isabel, e seu marido, encontrava-se em visita às províncias do sul do Brasil. Por motivos de saúde, a Princesa Isabel não se deslocou até Blumenau. Viajou de São Francisco de Sul, diretamente para Nossa Senhora do Desterro,  para onde foi seu marido depois que deixou o Vale do Itajaí, para seguir a viagem.
Fotografia feita no ano em que o Conde D'Eu esteve em Blumenau. Na fotografia ele está com a Princesa Isabel e os filhos D. Pedro de Alcântara, príncipe do Grão-Pará, D. Luís Maria e D. Antônio Gastão, 1884. Acervo: Instituto Moreira Salles.
O pesquisador Frederico Kilian descobriu, durante suas pesquisas no jornal blumenauense Blumenauer Zeitung, edição Nº 51 de 20 de dezembro de 1884, o interessante relato da visita do  Joaquim Insley Pacheco, Gastão de Orleans, o Conde D'Eu, marido da Princesa Isabel, durante sua estada em Blumenau, após a data comemorativa do aniversário de D. Pedro II, mais especificamente nos dias 15 e 16 de dezembro de 1884.
Foi amplamente noticiado no jornal mencionado:

 [...]o Conde d 'Eu resolvera fazer uma visita ao recém-criado município de Blumenau, tendo chegado no dia 15 de Dezembro entre 3 e 4 horas da tarde. Já desde cedo a vila engalanara-se para receber condignamente Sua Alteza e se preparava para proporcionar sua curta estada da mais aprazível forma possível. Tão logo que o vapor "Progresso" anunciava com longos apitos a sua aproximação à cidade, uma incalculável multidão se dirigiu ao porto local e às margens do Rio Itajaí-açu para assistir a chegada do ilustre visitante e dar-lhe as boas vindas, aportando Sua Alteza ao som do hino nacional executado pela banda musical local e sob os brados de "Vivas" da população aglomerada no porto de desembarque. "Blumenauer Zeitung", edição Nº 51 de 20 de Dezembro de 1884 - Traduzido por Frederico Kilian em 1977
Igreja Matriz de Blumenau, onde houve solenidade solene em homenagem ao Conde D'Eu.
Banda de Hermann Rüdiger.
Na recepção, o príncipe contou com a presença das bandas musicais Hermann Christian Rüdiger e Lingner e também com os alunos Colégio São Paulo, fundado pelo padre José Maria Jacob
A Família Imperial Brasileira era católica e isso explica por que Hermann Blumenau investisse seus esforços e fundos na construção da nova Matriz, projetada por Heinrich Krohberger. Ambicionava que o Império encampasse sua colônia particular. Naturalmente o Conde D'Eu foi conduzido, primeiramente para nova matriz católica, onde foi realizado um solene Te Deum. Trata-se de um ato em que é tradicionalmente cantado um hino cristão antigo, geralmente em momentos de gratidão e celebrações especiais. Do latim, significa "A Vós, ó Deus, louvamos". A letra final deste hino é do ano 387 d.C. por ocasião do batismo de Santo Agostinho por Santo Ambrósio, mas de origem anterior ainda, com autoria rastreada ao Papa Santo Aniceto, em 160 d.C. Portanto este hino, também foi cantado na Matriz de Blumenau, em homenagem ao Príncipe Conde D'Eu, em 1884.

Te Deum
Após o solenidade religiosa na Matriz de Blumenau, o Conde D'Eu foi conduzido ao Stadtplatz de Blumenau e visitou a Câmara Municipal, onde lhe foram apresentados também os arquivos da colônia e da Câmara. Em seguida foram todos para o Hotel Schreep. O hotel possuía, entre outros ambientes - um salão de baile - o qual era alugado para eventos festivos privados e públicos. Em suas dependências hospedavam-se visitantes importantes como nesse caso, o marido da Princesa Isabel do Brasil e genro do Imperador do Brasil, e D. Pedro II - o Conde D'Eu.
O ilustre visitante ficou hospedado no Hotel Schreep, junto com sua comitiva. Foi oferecido a ele e à sua comitiva um banquete. A cidade de Blumenau, mais especificamente a Palmenallee (a rua das Palmeiras) ou, o Boulevard Hermann Wendeburg,  foi festivamente iluminada com lampiões multicolores e também o casario que compunha a paisagem do Stadtplatz
Schützengesellshaft Blumenau - Sociedade de Atiradores de Blumenau.
O Conde D'Eu, acompanhado de algumas pessoas, deu um pequeno passeio em algumas ruas do Stadtplatz. À noite foi realizada uma reunião dançante no Schützengesellshaft Blumenau. - Sociedade de Atiradores de Blumenau. Esta sociedade foi fundada em 2 de dezembro de 1859, no aniversário do Imperador do Brasil - D. Pedro II, sogro do visitante. Lembramos que a homenagem feita pela sociedade blumenauense ao Imperador do Brasil é algo cultural e inerente aos imigrantes alemães, que vinham de um sistema, cuja origem aconteceu no Feudalismo e naturalmente, nutriam respeito ao líder máximo dentro do sistema, o Imperador.
Antes de se iniciar o baile, que contava com o genro do Imperador do Brasil, nessa noite de dezembro de 1884, houve apresentações das sociedades de cantores Germânia e Urania, que executaram várias peças de seus repertórios. O baile foi noite adentro.
Residência de Clasen próxima a Casa Salinger - Altona.
Na manhã do dia seguinte foi organizado um passeio de carro de mola, do Hotel Schreep até a residência da família Clasen, localizada próxima à Casa Salinger, no bairro Altona. Na entrada de Altona, o príncipe foi recebido por uma delegação de jovens a cavalo, moças e moços e recebeu flores do grupo. Este encontro deve ter acontecido próximo à cervejaria de Karl Rischbieter, que tinha se casado com uma moça da família Clasen.
Cervejaria e residência de Karl Rischbieter, bairro de Altona. Próximo ao local onde o cortejo foi abordado pelo grupo de jovens.
Na residência dos Clasen foram oferecidos bebidas lanches à comitiva. De acordo com o artigo do jornal, traduzido por Frederico Kilian e publicado na Revista Blumenau em Cadernos Tomo XVIII, janeiro de 1977, Nº1, o marido da Princesa Isabel do Brasil partiu contente de Altona. Ele e sua comitiva pretendiam viajar ainda nessa mesma tarde. Antes de seguir, o grupo visitou propriedade do primeiro cervejeiro de Blumenau, Heinrich Hosang, que aparentemente muito encantou ao príncipe.
Cervejaria e Residência Hosang, na Rua São Paulo - ou estrada dos pioneiros rumo ao oeste do território do município. 
Igreja do Espírito Santo, Stadtplatz.
Família Hering em 1893.
Retornando ao Stadtplatz, o Conde D'Eu visitou a Igreja do Espírito Santo, cujo edifício ainda se encontra na paisagem do Centro Histórico de Blumenau e a pouco tempo, foi lindamente restaurada. Visitou, ainda, as escolas, a Câmara e Cadeia e o Hospital Santo Antônio. Também havia visitado a propriedade dos Hering, ainda na parte da manhã, localizada na XV de Novembro. A Cia. Hering contava com 4 anos de existência. Mudou-se para o Bom Retiro em 1896. O nobre olhou todo o ambiente da fábrica familiar com muito interesse, cujos detalhes e história foram devidamente explicados por Hermann Hering. O visitante observou  todas as instalações e máquinas com curiosidade, elogiando o espírito pioneiro de seu interlocutor.
Residência e Fábrica dos Irmãos Hering. Em frente, Karoline (Töllner) Müller na boleia da charrete. Nas janelas, Minna e Hermann Hering.

Primeira máquina adquirida pelos Hering. Atualmente acervo do Museu Hering. Provavelmente esta máquina foi observado pelo Conde D'Eu em 1884.
Hospital Santo Antônio.

Após o almoço, Joaquim Insley Pacheco, Gastão de Orleans - o Conde D'Eu retornou para a cidade portuária de Itajaí a bordo do Vapor Progresso, descendo as águas do rio Itajaí Açu.

Sua Alteza deixou em todos que com ele tiveram contato durante a sua visita aqui uma ótima impressão, conquistando desde logo o afeto e o respeito de todos eles. O príncipe mostrou-se de uma forma tão cordial e amável conseguindo de imediato captar os corações e a simpatia dos blumenauenses, e o fato de ter usado, em suas palestras com os alemães a língua materna destes despertou nos mesmos imensa alegria. "Blumenauer Zeitung", edição Nº 51 de 20 de Dezembro de 1884 - Traduzido por Frederico Kilian em 1977

Alguns blumenauenses acompanharam a visita ilustre até Itajaí. Antes de partir, Conde D'Eu entregou ainda à Câmara Municipal uma quantia de 100$000 Rs. para fins sociais. 

Um acidente durante o trajeto da volta do conde à cidade de Itajaí.

As primeiras décadas de história entre Itajaí e Blumenau foram marcadas por grande intercâmbio e colaboração mutua. Famílias residiam em Itajaí e em Blumenau. Pessoas de Blumenau trabalhavam no comércio de Itajaí e pessoas de Itajaí consultavam-se com médicos de Blumenau. O rio Itajaí Açu encurtava caminhos por meio do transporte fluvial. 
Vapor Blumenau I no Porto de Itajaí.
Também no jornal Blumenauer Zeitung, edição Nº 51 de 20 de Dezembro de 1884 ,  além da notícia da visita do Conde D'Eu, havia a notícia de uma morte, indiretamente causada pelo evento.
Os responsáveis pela organização do Conde D'Eu em Itajaí,  contrataram a  banda de Blumenau de Herr  Schneider, para na recepção do nobre. Três músicos da banda embarcaram em uma canoa e também rumaram para Itajaí, com um atraso. Perderam a saída do vapor para chegar à cidade portuária. Quando a embarcação se aproximou da Barra, o Vapor "Progresso" já vinha subindo com o príncipe a bordo e as ondas produzidas pelo vapor provocaram a virada da canoa onde estavam os três músicos.  Um músico de 17 anos, filho do mestre pedreiro Gauche, de Blumenau faleceu afogado. O fato foi testemunhado pelo Conde D'Eu, que segundo testemunhas disse ter sido esse fato o único ponto negro de toda sua viagem  até então. Lamentou.

Um Registro para a História
 
Eu sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
Contatos:
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@AngelWittmann (X)

 





Referências
  • Brasiliana Fotográfica. Conde D'Eu. Acervo IMS. Disponível em: https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?tag=conde-deu . Acesso em: 23 de junho de 2025, 17h35.
  • GERLACH, Gilberto Schmidt. Colônia Blumenau no Sul do Brasil. Gilberto Schmidt-Gerlach, Bruno Kilian Kadletz, Marcondes Marchetti, pesquisa; Gilberto Schmidt-Gerlach, organização; tradução Pedro Jungmann. – São José : Clube de Cinema Nossa Senhora do Desterro, 2019. 2 t. (400 p.) : il., retrs.
  • SANTIAGO, Nelson Marcelo; PETRY, Sueli Maria Vanzuita; FERREIRA, Cristina. ACIB: 100 anos construindo Blumenau. Florianópolis: Expressão, 2001. 205 p, il.
  • SILVA, José. História de Blumenau. 2. ed. Blumenau: Fundação “Casa Dr. Blumenau”, 1988. 299 p.
























terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Blumenau - do Stadtplatz ao Enxaimel

A área central de Blumenau vem "sendo verticalizada" sobre as paisagens natural e histórica da cidade.
Vista do alto do elevado onde está a Igreja luterana Espírito Santo - voltada para o Vale do Bom Retiro. Com a mudança do novo parque fabril da Cia Henrig para o vale, houve a promoção do seu desenvolvimento através da construção de casarões da nova elite da época, comerciantes e industriais, principalmente da família Hering, a construção da nova sede da Neu schule - a nova escola alemã e o Ginástico.
Observar as mudanças ocorridas em um recorte de tempo de aproximadamente 100 anos (1924-2024), em um  ambiente que surgiu e pode ter sido resultado de um primeiro projeto de ocupação local e regional executado pelos primeiros pioneiros do Vale do Itajaí.
Fotos feitas no Morro do Aipim, em dois momentos.

Mapa do Brasil - Século XVII. Fonte: Ficheiro Wikipédia.
Para iniciar
, com o objetivo de conhecimento e enfoque da História, apresentaremos de maneira sucinta, o contexto políticoeconômico e social da Província - Estado de Santa Catarina, no período em que foi criada a Colônia Blumenau e como esta foi desenhada e planejada, talvez o primeiro plano urbano do Estado.
A povoação de Santa Catarina é bem recente, se comparada a outras regiões litorâneas do país. 
povoação no litoral catarinense aconteceu em meados do século XIII. De acordo com o estudo da tese do Professor Vilmar Vidor, o objetivo desta povoação foi de ordem militar. O Governo Imperial incentivou o deslocamento de alguns grupos de açorianos para a costa catarinense, fundando, então, em 1645, o povoamento de São Francisco do Sul e um pouco mais tarde Florianópolis e em 1676 o povoado de Laguna. O único povoamento existente no interior da Província era o de Lages, criado em 1771, ao lado da Estrada que liga São Paulo ao Rio Grande do Sul.
São Francisco do Sul fica nas proximidades de Joinville. WITTMANN, 2010.
No século XIX, a natureza da política de povoamentos mudou do cunho militar para o de desenvolvimento econômico.
Em 1829 começou o povoamento pelos imigrantes alemães no estado. Em fevereiro de 1829, chegou o primeiro grupo de imigrantes alemães às margens do Rio Negro - nessa época território paranaense - Santa Catarina tinha outra configuração territorial. Estes pioneiros fundaram a Colônia de Rio Negro, ocupando as duas margens do rio, que mais tarde se tornaria o limite entre os dois estados, sendo uma das margens povoada, o atual município de Mafra, a primeira colônia alemã catarinense
Mafra SC.
Também no ano de 1829 - chegou um grupo de alemães na capital da Província de Santa Catarina - Nossa Senhora do Desterro, quando autoridades locais não estavam preparadas e após a quarentena do grupo, realocaram-nos para uma região do continente onde hoje está a aproximadamente e atual sede do município de São Pedro de Alcântara. O grupo de alemães, em torno de 60 pessoas, chegaram ao local no dia 1° de março de 1829. Posteriormente, muitos destes se dispersaram, com o aval e o incentivo das autoridades catarinense, pela aridez e não adequação do solo para a prática da agricultura. Muitas famílias destes pioneiros, chegaram ao Vale do Itajaí, mesmo antes do fundador da Colônia Blumenau - Hermann Blumenau, os quais auxiliaram o fundador de Blumenau nas primeiras iniciativas e empreitadas.
Igreja católica de São Pedro de Alcântara.

Durante as comemorações de 180 anos de imigração alemã no Estado de Santa Catarina. Mafra também comemorou seus 180 anos de imigração alemã neste ano em data anterior.
Em 1836 foi fundada Itajaí, com a criação de um curato por um imigrante português que se desenvolveu com a chegada dos imigrantes alemães a partir da segunda metade do século XIX; Nova Itália e Nova Trento, foram fundadas por imigrantes italianos. Itajaí, cuja localização ficava próxima ao porto marítimo, no qual, nos anos seguintes desembarcariam milhares de imigrantes alemães e de onde, enviavam as  notícias iniciais para a Alemanha, com as primeiras impressões do mundo novo.
Itajaí/SC.

Itajaí - julho de 1904.
Em 1848, conforme o artigo 16 da Lei Geral n° 514, cada província teve o direito a 36 léguas quadradas de terras virgens. Era proibido o uso de mão-de-obra escrava. Os agricultores e imigrantes não seriam proprietários de suas terras, se em cinco anos não as cultivassem. Esta lei permitiu a criação de colônias provinciais e que regeram o sistema fundiário até a Proclamação da República, em 1889.
Itajaí - 1885.
Foto: WITTMANN, 2010.
Em 15 de maio de 1850, através da assinatura de contrato entre os Príncipes de Joinville e a sociedade de colonização de Hamburg, aprovado por decreto governamental, foi fundada a Colônia de Dona Francisca, atual Joinville. No mesmo ano, Hermann Blumenau funda a Colônia Blumenau
Hermann Blumenau e os 17 imigrantes aportaram às margens do ribeirão da Velha e Garcia, marcando o início da Colônia Blumenau






O marco da fundação da Colônia Blumenau - chegada dos primeiros 17 imigrantes alemães à foz do ribeirão da Velha. Para chegar a este local, passaram pela propriedade de Johann Peter Wagner / Pedro Wagner e família.
Em 1850, então é instituída a Lei de Terras, regulamentada pelo Decreto 1.318 de 1854, acelerando o processo de povoamento na Província. Em 1859, nove anos após, a Colônia Blumenau contava com 943 habitantes que ocupavam 169 lotes coloniais e urbanos, ocasião em que a colônia foi elevada a Distrito de Paz.
Para o morar, os pioneiros e suas famílias construíram suas casas de acordo com o momento do recorte histórico, dentro de uma evolução de usos diversificados de materiais e tecnologia, refletindo, igualmente, o momento econômico.
Casa Provisória, tipo abrigo, enquanto faziam as benfeitorias no lote colonial. Aqueles que possuíam seu lote colonial distante do Stadtplatz, "acampava" no local da propriedade e aqueles que possuíam lotes próximos à centralidade, se instalava no galpão dos imigrantes. Fonte: WITTMANN, 2019.

Casa temporária utilizando material retirado do lote colonial, com a técnica construtiva milenar trazida da Europa, como por exemplo a taipa. 
Casa temporária no interior do Vale do Itajaí, direção ao norte rumo a Colônia Dona Francisca. WITTMANN, 2019.
A área territorial de Blumenau era superior a 20 mil km2.

Até 1860, a Colônia Blumenau era propriedade de Hermann Bruno Otto Blumenau, quando, então o Governo Imperial encampou o empreendimento. Hermann Blumenau permaneceu como diretor da Empresa até 1880, quando a Colônia foi elevada a Município. Nesta época tinha uma área territorial superior a 20 mil km2. 
Família de imigrantes, fotografia do início do século XX. Migraram na segunda metade do final do século XIX. Peter Christian Feddersen e família.
Stadtplatz da Colônia Blumenau. Acervo: Biblioteca Digital do Brasil.

“Hermann Blumenau, tendo já a prática do comércio e da pequena indústria, estabeleceu a empresa Blumenau & Hackradt, que recebeu do Presidente da Província, por compra, uma gleba de terras as quais, se somaram outras, adquiridas de terceiros, compondo um todo de 150 mil jeiras.” (VIDOR, 1995)

A leitura da malha urbana do Stadtplatz, primeira centralidade de Blumenau, foi possível com base  em algumas abordagens arquitetônicas e geográficas, ou seja, a reflexão do espaço a partir do estudo morfológico. Este estudo é resultado da ordenação dos elementos urbanos organizados de maneira semelhante dentro da malha caracterizando uma totalidade dentro do contexto urbano. 
Derrubada da mata para criar espaço para a plantação e para o pasto dos animais, tal como aconteceu no alto neolítico, na mesma região de onde vieram os imigrantes para Santa Catarina, quando o as tribos nômades deixaram de ser coletores e caçadores e passaram a ser agricultores e pastores, fazendo surgir o embrião da casa enxaimel na Europa.

“No intervalo compreendido entre a chegada e a ocupação do lote próprio, os migrantes se ocupavam de trabalhos agrícolas, da derrubada de matas; eles eram igualmente obrigados a participar nos serviços gerais de abertura de estradas, construções de pontes e outras obras de interesse coletivo, não somente para não ficarem na ociosidade, segundo disseram, mas, sobretudo, para conhecerem o novo quadro da vida.” (VIDOR, 1995)

Stadtplatz
Stadtplatz de Blumenau.
Stadtplatz foi o primeiro núcleo urbano da Colônia Blumenau e do Vale do Itajaí. Os primeiros imigrantes alemães participaram diretamente da construção e da escolha do local de espacialização dos primeiros elementos e infraestrutura urbana. O parcelamento foi iniciado em 1852, pela medição e demarcação dos lotes coloniais.

Parcelamento

rio Itajaí-Açu e os ribeirões Garcia, Fresco, Velha e Bom Retiro foram de grande importância na definição do traçado do Stadtplatz em 1852, conforme registrado no primeiro mapa(1864).  O traçado dos primeiros lotes urbanos surgiu a partir da localização e orientação do rio Itajaí-Açu e ribeirões. Este cuidado estava relacionado à acessibilidade por esses caminhos naturais, e também à facilidade do livre acesso à água, para fins de uso doméstico na propriedade e para a irrigação da plantação.
A conformação geográfica dos rios e a topografia colaboraram para a definição do desenho do parcelamento de terra. Segundo Deeke, os lotes se dividiam em três tipos dentro da malha, observando sua linha de fundo. 
Traçado dos lotes coloniais - lotes estreitos e compridos.
- Reta: Formando lotes de profundidade desigual;
- Sinuosa: formando uma paralela ao traçado do curso d´água;
- Escalonada;

Rua XV de Novembro em 1908.
Construções predominantemente junto à rua, desprovidas de
afastamentos. Característica da rua do Comércio, de então.
parcelamento e o desenho do solo eram formados por lotes estreitos e compridos, paralelos entre si e perpendiculares ao rio, aos caminhos e às curvas de nível. Predominaram os lotes com testadas muito estreitas para o caminho (estrada, picada, rio ou ribeirão) e com profundidades extensas, tão extensas que em algumas situações se confrontavam com a profundidade de um lote situado em outro curso d´água. 
Ainda, existe o fator cultural para esta configuração urbana detectada no Stadtplatz da Colônia Blumenau. 
Segundo YAMAKY citado por Del Rio, muitas das cidades de culturas alemãs são estruturadas pela rua principal e o rio, portanto em um vale.
O parcelamento do primeiro núcleo da Colônia Blumenau surgiu a partir da adequação da paisagem natural, formada pelo vale (rios, ribeirões e montanhas) e a necessidade de acessibilidade às propriedades, aproveitando os caminhos naturais. Também houve reflexo das cidades alemãs sobre e estruturação urbana a partir da rua principal e rio.  
Rua XV de Novembro em 1906, contando com a presença de inúmeras tipologias construídas com a técnica construtiva enxaimel.
Extensão da Rua XV de Novembro até a comunidade de Altona, atual Itoupava Seca, Rua São Paulo, próximo ao antigo local da balsa, atual ponte Santa Catarina. Cervejaria Jennrich, 1900. WITTMANN, 2019.









Traçado

No Stadtplatz, o traçado surgiu para completar e interagir com os caminhos naturais já existentes: rios e ribeirões.
O traçado dos lotes coloniais, ruas e rios e ribeirões, no Stadtplatz da Colônia Blumenau (que envolvia o Médio e Alto Vale do Itajaí) e no seu entorno, década de 1860. WITTMANN, 2010.
A centralidade da Colônia Blumenau – século XIX, localizada no Stadtplatz. Aos fundos – o Barracão dos Imigrantes. Desenho original de Joseph Brüggemann, de 1868 - Vista a partir do morro da Igreja Luterana Espírito Santo do Centro. Barracão dos Imigrantes, Casa Meyer & Spierling e aos fundos, à direita, Morro do Aipim. Presente do filho de Hermann Blumenau - Pedro Hermann Blumenau à cidade de Blumenau. GERLACH, 2019.
Grande área da Colônia Blumenau e os rios - Demarcação dos atuais municípios que surgiram a partir da Colônia Blumenau e ainda existem. Fonte: WTTMANN, 2010.
Os primeiros lotes foram entregues aos colonos em 1852. No início da colonização, as famílias residiam na sede da Colônia, no Stadtplatz - geralmente instalado no Galpão do Imigrante. Deslocavam-se diariamente até sua gleba de terra para o trabalho na plantação, como acontece até os dias atuais em Vilas na Alemanha. À medida que os novos imigrantes chegavam à Colônia, iam sendo demarcados os lotes urbanos e rurais ao longo das picadas já abertas, formando as linhas coloniais, onde os colonos passavam a ir à sede somente nos finais de semana. Este traçado ia tomando a forma de “espinhas de peixe” adequado a topografia da região e aos vales e cursos d'água, construindo assim, quarteirões abertos.
Primeiras providências e construções no lote colonial, como o abrigo provisório construído com materiais retirados do local, como também abertura de clareiras para plantio e animais.


 Com a consolidação da centralidade do Vale do Itajaí, aproximadamente o território da Colônia Blumenau, ocorrido na metade do século XIX, em diferentes recortes de tempo, surgiram elementos que consolidaram o desenho do espaço público de Blumenau e a morfologia e estrutura da malha da cidade.

Elementos capazes de responder pela descontinuidade da paisagem urbana - Stadtplatz. 

Porto:
Porto na foz do ribeirão Garcia, no rio Itajaí-Açu – Blumenau. Fonte: WITTMANN, 2010.
Local onde aportavam e partiam as pessoas, nas primeiras décadas, geralmente imigrantes e suas famílias, rumo a Itajaí e de lá para outras partes do Brasil e exterior, geralmente Alemanha. O porto estava localizado às margens do Itajaí-Açu, na foz do ribeirão Garcia. De frente para a Palmenalee, rua das Palmeiras, atual Alameda Duque de Caxias. Rua esta em que os lotes coloniais foram logo ocupados, por casas comerciais, residências e igreja. No terreno situado às margens do rio Itajaí-Açu foi criado um espaço público através de uma praça linear ao rio. Ponto de encontros, e pequeno comércio local. O porto, depois do rio Itajaí-Açu, foi o primeiro a se firmar como elemento estruturador da cidade. A primeira área local a ser ocupada foi no seu entorno imediato, à foz do ribeirão Garcia. Um dos primeiros pontos focais e espaço de contemplação na história de Blumenau.
Praça do Porto inaugurada em 1900. Atualmente conta com várias construções  privadas sobre seu espaço público, encobrindo também a vista do rio.

Vista da curva do rio, espaço natural de contemplação. Atualmente é espaço privado.
Icônico Vapor Blumenau I atracado no porto. Ao fundo, Hotel Holetz.
Porto fluvial de Blumenau.

Porto fluvial em dia de festa, fotografado da Prainha.
Palmenalee - Rua das Palmeiras - Boulevard Hermann Wendeburg - Alameda Dr. Blumenau:
Igreja Luterana Centro vista da Palmenalee.
Atual 
Alameda Duque de Caxias. Grande avenida desenhada nos moldes das grandes avenidas francesas. Com duas largas pistas de rodagem (sem que ainda houvesse a presença do automóvel, separadas por duas fileiras de palmeiras e um caminho para pedestres. O início do boulevard se dava no porto, como marco “ zero” da cidade. Sua implantação considerou a orientação do porto, paralelamente ao ribeirão Garcia, orientando de certa forma a ideia de rua principal paralela ao rio ou ao ribeirão. Conforme analisaram Peluso e outros pesquisadores, as cidades de colonização alemã apresentam crescimento linear e radial de acordo com a estruturação, geralmente, percebida nas cidades da Alemanha. Os eixos são orientados paralelamente aos cursos d´água. 

Fonte: Blumenau em Cadernos.
Rio Itajaí Açu:

O primeiro grande elemento natural estruturador do primeiro núcleo da Colônia Blumenau, responsável pela viabilização do Porto. É o resultado da união das águas de inúmeros afluentes, que tem início em Rio do Sul, no ponto em que há o encontro dos rios Itajaí do Sul e Itajaí do Oeste. Elemento focal natural importante e direcionador na estruturação posterior do Stadtplatz, como também de outros tantos núcleos urbanos que nasceram ao longo de suas margens, no Vale do Itajaí. Esta facilidade de acesso facilitou a formação da rede de povoados, embrião da rede de cidades do Vale do Itajaí. 
Fonte de alimento e água para irrigação da plantação do imigrante.
Bacia do Itajaí Açu – Desenho de Emil Odebrecht, de 1874. WITTMANN, 2010.
Local do encontro dos rios, em Rio do Sul
O rio, desde o primeiro momento, foi importante para o desenho da cidade de Blumenau. No primeiro mapa do Stadtplatz, de 1864, foi detalhada, com quase precisão, a localização de todos os cursos d´água, , sendo possível comprovar com a tecnologia e imagens do Google do século XXI.
Os rios estruturaram a malha urbana de blumenau ao longo de sua história e formação.
Mapa de Blumenau - 1964. WITTMANN, 2010.
A paisagem e o espaço urbano de Blumenau são fortemente condicionados pelas encostas dos morros, que já foram cobertos pela Mata Atlântica, que seccionam o tecido urbano. Entre rio e montanha, a malha urbana se desenvolveu inicialmente linearmente ao longo dos fundos de vales, previstos pelos primeiros pioneiros. Mais tarde aos primeiros assentamentos, ao menos 30 anos depois, concluíram que em áreas parcialmente inundáveis.
Colônia Blumenau, 1864, Prainha, porto e foz do ribeirão Garcia. Desenho de Joseph Brüggmann. Fonte: WITTMANN, 2010.












Ribeirão Garcia:


No traçado dos lotes coloniais, o rio Itajaí-Açu tem sua importância como elemento focal natural, fonte de irrigação da lavoura, elemento estruturador das ruas, no traçado do lotes. As ruas foram quase todas, orientadas, adequando-se acessibilidades ao ribeirão. 
Observa-se a intenção de promover a ligação entre o porto e a via principal (rua das Palmeiras), sendo que esta é orientada paralelamente ao ribeirão Garcia, forçando o desenvolvimento da malha no sentido do vale do ribeirão Garcia, ocupando as partes planas e baixas do sítio físico. Estas com um traçado que permitisse o acesso à água por todas as propriedades. Resultado: lotes estreitos e profundos.
Praça da Fonte:

Os espaços de convívio, de encontro e de lazer estiveram presentes na formação e nos planos da nova cidade. Foi criada uma praça, hoje inexistente em função do tráfego de veículos (tragada pelo sistema viário atual) entre o boulevard e o porto fluvial. Ponto de encontro, interações e lazer propagados para o Estado de Santa Catarina através das imagens da TV Coligadas. O chafariz estava Inserido no espaço do Stadtplatz, respeitando a escala local. Munida de equipamentos urbanos, como: bancos, canteiros e fonte d´água.
O chafariz.


No conjunto dos elementos formadores da malha urbana do Stadtplatz, primeiro núcleo urbano de Blumenau tem características muito bem delineadas no que tange a aos espaços público e privado na paisagem predominante. Isto até o momento atual. A região vem sofrendo pressões do mercado imobiliário para a liberação da verticalização indiscriminada e com isto, sua configuração, skyline serão e estão sendo descaracterizados. Mas isto é outra coisa. Perguntamo-nos: como será sua História e configuração espacial, no futuro?
Stadtplatz de Blumenau e os principais pontos focais. Google Earth.

As pistas de rolagem do Palmenalee, rua das Palmeiras foram impermeabilizadas através do uso do asfalto para a passagem de ônibus na área histórica, no início de 2015.
Propriedade colonial – Alto Vale do Itajaí. Pastor Leonhard Grau. 
No primeiro momento de urbanização, antes do uso e do surgimento da Rua XV de Novembro, tradicional rua de comercio de Blumenau, não havia uma preocupação em demarcar um local na cidade estritamente comercial. 
Segundo José Ferreira da Silva, os terrenos eram distribuídos de maneira aleatória aos colonos que escolhiam aqueles que mais lhes agradavam. Criando-se com isto, pontos de áreas verdes não ocupados, entrecortando as propriedades ainda com características rurais neste primeiro momento da história da formação da malha urbana de Blumenau. A Rua XV de Novembro era então, somente uma picada na mata margeando o rio Itajaí Açu, rumo à foz do ribeirão da Velha, local em que chegaram os primeiros 17 imigrantes. No meio do caminho, Hermann Blumenau apontou o local da igreja católica de Blumenau, Igreja São Paulo Apóstolo, que, com a construção da da católica Casa São José e Colégio Santo Antônio, "valorizou" o espaço do entorno e chamou a atenção dos investidores para o desenvolvimento dessa região, fomentada, ainda, pela presença da estação ferroviária próximo à foz do ribeirão da Velha. O Stadtplatz foi perdendo o papel de centralidade de Blumenau, para o Bom Retiro e para a Rua XV de Novembro.
Rua XV de Novembro.
Os lotes do primeiro traçado tinham a forma retangular com a testada estreita e de grande profundidade, por conta da importância da acessibilidade ao curso d´água. As edificações permanentes eram locadas, nesse primeiro momento, com um determinado afastamento da rua para a realização de um pequeno jardim de flores, dividido em duas partes através de um caminho que levava ao portão, o qual dava acesso à rua. Este caminho era adornado com flores silvestres e roseiras, cujas mudas vinham da Europa.  Na parte dos fundos da propriedade, em áreas planas, eram edificados os ranchos, estrebarias, depósitos e oficinas. Nesse local dormiam e eram alimentados os animais, ordenhavam-se as vacas, fazia produtos do leite, como queijo, queijinho e nata. Nestas edificações, também era onde os residentes cozinhavam os musses (doce de frutas), faziam as linguiças e derivados em geral da carne de porco e gado; e também armazenavam as produções agrícolas, como grãos (trigo, feijão, arroz), inhame, cará, batatinha; e equipamentos diversos, desde arreios, ferramentas da lida na lavoura, carros de boi, carros de mola, entre outras coisas.
Geralmente a área de plantio de maior porte, ficava mais afastada da casa. Próximo à casa ficava uma horta, com ervas e verduras e o local onde ficavam as galinhas, para a produção de ovos. Entre a lavoura e a horta e galinheiro tinha o pomar. Pomar, fonte de frutas para alimento e a elaboração de doces, tortas e sobremesas. Culinária familiar, em que onde as receitas eram oriundas da Alemanha, repassadas de mãe para filha. Estas benfeitorias iam sendo feitas ao longo do tempo, quando as pessoas já estavam instaladas na propriedade 
A propriedade, neste primeiro momento, de 1850 até 1880, era abastecida pela água dos cursos de água locais, ou por poços construídos.
As propriedades ocupavam as partes mais planas do vale, e entrecortadas por caminhos, ruas, estradas e picadas, quando não houvesse acesso ao rio e ribeirões. 
Foto de ocupações de imigrantes alemães no Alto Vale do Itajaí. Semelhantes em toda a Colônia Blumenau.




Em um primeiro momento, a Colônia, que apresentava uma estrutura mini fundiária, dedicou-se à policultura de subsistência. Logo, entretanto, o trabalho do imigrante permitiu a formação de um excedente, o que propiciou o surgimento de pontos de troca, surgindo o comércio e a área comercial. Que por sua vez, fez surgir outro tipo de ocupação do lote. A edificação ficava junto ao alinhamento da rua, sem qualquer afastamento.
Edificações de uso misto alinhadas à rua. Fonte: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva.




O grande número de artesãos (marceneiros, ferreiros, carpinteiros, alfaiates, etc) aumentou o grau de autossuficiência da Colônia, possibilitando a atividade da exportação e o aumento da movimentação no Porto fluvial de passageiros situado à cabeceira do boulevard Rua das Palmeiras, Palmenalee e de cargas, localizado na Itoupava Seca, na época chamada também de Altona.
Era comum, existir áreas vazias entre uma propriedade e outra. Isto acontecia por que os lotes não eram distribuídos em série. O imigrante escolhia o lote que lhe agradava. Como havia muita terra disponível, ficavam muitas lacunas sem construção no perfil da paisagem. 

Arquitetura - As primeiras casas permanentes

casa permanente do imigrante adotava a técnica em enxaimel. O enxaimel consiste basicamente, na articulação de peças de madeira horizontais, verticais e inclinadas, formando um sistema rígido, preenchido com materiais de vedação, desde taipa adobe ou tijolos maciços. 
Casa permanente construída na década de 1880 de propriedade de Friedrich von Ockel -  Timbó, então território de Blumenau. Fonte: WITTMANN, 2019.





A implantação da casa e das outras instalações domiciliares era realizada de forma despretensiosa, nas áreas planas da propriedade e, raramente eram feitas nos aclives, com nítida tendência ao isolamento. 
Em um primeiro momento, os fechamentos eram confeccionados em taipa e dobe. Foi por pouco tempo, logo o imigrante começou confeccionar tijolos e telhas em olarias. As paredes externas passaram então e ser feitas com tijolos aparentes na cor natural.
Tipologia rural, permanente, contando com os anexos da varanda e da cozinha, do fogo. Mesmo apresentando aspecto da tipologia com características atuais sob aspectos técnicos apresenta detalhes construtivos simples como o guarda corpo da varanda e janelas tipo duas folhas com tábuas. Seção dos caibros é grande, fazendo-se crer que é uma das primeiras construídas na região de Timbó, em uma época que também pertencia ao território de Blumenau.
Nossa definição de Enxaimel, após mais de 25 anos de pesquisa

Enxaimel definitivamente não é um estilo, não é limitado dentro de um conceito engessado dentro de um recorte de tempo somente, não é “ripa” colada em uma parede de alvenaria, não é tecnologia repassada pelos indígenas que viviam no Brasil quando chegaram os pioneiros, não foi construído e usado pelos “colonos” somente, não é coisa velha, não é passado, não é coisa pobre, não é só aquela edificação que tem tijolos à vista, …,.
A casa com a estrutura enxaimel é um dos muitos modelos resultantes de um processo que teve início durante a primeira grande revolução do homem, quando este deixou de ser coletor e caçador e se fixou no solo, tornando-se agricultor a pastor. Homem que domou, segundo Munford, a si mesmo e depois, o meio insalubre que tinha que tirar a sua sobrevivência e construir a sua casa primária com materiais tirados deste meio, o embrião da casa de madeira encaixada, com a presença dos primeiros encaixes.
Enxaimel é uma estrutura de madeira independente das paredes, com toda a complexidades da distribuição de cargas que isto significa e só conseguida nas casas de alvenaria após os experimentos na igreja de Santa Sofia, no século VI e depois evoluído até chegar a leveza dos vitrais das catedrais góticas - o ápice desta revolução na técnica construtiva em alvenaria de pedras. A casa de madeira já apresentava a sua estrutura independente das paredes, 6.000 anos a.C.
A estrutura enxaimel agregou identidade e características diferenciadas às cidades intramuros, e depois às cidades livres assentadas juntos aos rios, na Alemanha, na Europa e também, no Vale do Itajaí e outras regiões do Brasil.
Ao contrário do que afirmam as pessoas desprovidas de conhecimento, a técnica construtiva nunca deixou de ser construída em solo alemão, por representar uma das expressões culturais máximas - na forma de arquitetura - daquelas cidades e que habita o inconsciente coletivo, há mais de 7.000 anos. As pessoas que guardam este patrimônio no tempo presente e também constroem novos, são descendentes diretos daqueles que iniciaram o embrião desta técnica construtiva no período neolítico e esta foi repassada de uma geração a outra, sempre com o acréscimo de melhorias e novas tecnologias advindas de experimentos práticos.
Há também, aqueles que fazem questão da tradição no momento de construir uma casa enxaimel, utilizando as mesmas ferramentas, rituais e práticas, de alguns milhares de anos atrás outros da época áurea medieval - período nacional da Alemanha, onde a produção contemporânea de enxaimel faz uso de tecnologia de ponta, robótica, modelagem, disponibilidade em catálogos, com diversos tipos de materiais para o fechamento, formas e volumes, tudo seguindo a rigorosa legislação ambiental e construtiva daquele país.
Atualmente, na Alemanha, o uso da estrutura enxaimel e sua versatilidade mediante a disponibilidade de diversos materiais alternativos para seu fechamento tem também, o aspecto ecológico e seu uso relacionado à sustentabilidade do bem morar.
De acordo com Dr. Jackson Roberto Eleotério, pesquisador do uso da madeira na arquitetura: “[...] a madeira é o único material que pode atingir a sustentabilidade. Concreto, vidro, cerâmicas, plásticos só emitem carbono em seus processos produtivos, enquanto a madeira acumula carbono. ” Angelina Wittmann, WITTMANN,2019.

Casa provisória - fechamento com taipa.  Casa do balseiro Südarm, Alto Vale do Itajaí. Arquivo público Histórico de Rio do Sul.
A edificação era feita elevada do chão, por meio de baldrames apoiados sobre pedestais apoiados sobre pedestais de tijolos ou pedras, com isto criando dificuldade para entrada de insetos e cobras, e promovia o isolamento contra a umidade do solo, aumentando a vida útil da madeira. Seu perfil era caracterizado por telhados pontiagudos de duas águas, com o lado da calha voltado para a rua. A cobertura era feita com telhas duplas, curvadas na parte inferior (as conhecida telhas alemãs, germânicas ou cauda de castor), prolongando-se até os beirais apoiados em elementos de madeiras conhecidas como “cachorros”.
Casa permanente rural – com varanda acrescentada posteriormente à sua construção, construída sobre pilaretes. Casa fotografada em 2010, na Vila Itoupava, Blumenau. Demolida.



Itoupava Central, Blumenau, 2014.
As aberturas são usadas nas 
fachadas de forma simétrica em relação à porta. Apresentam as mesmas dimensões, com a abertura das folhas voltadas para o lado externo da casa.. As primeiras casas tinham aberturas de madeira, mais tarde surgiram casas de aberturas com vidros de pequeno tamanho.
porta principal quase sempre era adornada e localizada ao centro da fachada principal. Às vezes era complementada por pequenas esquadrias.
Exemplos do Vale do Itajaí - que antigamente pertencia a Colônia Blumenau. 
Tipologia histórica, dentro da classificação, uma das primeiras a ser construída, desprovida de anexos, tantos rurais quanto urbanos. Localizada no Stadtplatz. Antigo Bar Kriado.
A espacialização interna também segue, quase sempre uma mesma tipologia. Na parte frontal localiza-se a sala e um dos quartos. Na parte posterior, está a cozinha, a copa e uma escada íngreme que leva ao piso superior, o sótão. O sótão geralmente utilizado como o quarto dos rapazes ou depósito de produtos agrícolas.
A varanda era utilizada nos períodos de lazer, aos domingos e após o trabalho. Geralmente decorada com gradis de madeira adornados. Protegia a casa dos excessos de sol e chuva.

Casa da Professora Norma Dignart Huber, da Escola Machado de Assis - Vila Nova, Blumenau. Demolida em 2016.

decoração interna da casa apresentava paredes com pintura, cortinas claras, móveis de madeira pesada, assoalho de tábuas largas e tetos de madeiras. As construções em enxaimel foram utilizadas nas mais variadas funções: desde casas de comércio, escolas, salões de baile e até em igrejas.
Igreja de Benedito Novo. Quando foi construída, o local era parte do território de Blumenau.
Hospital Misericórdia - Ala antiga, Vila Itoupava, Blumenau.
O enxaimel trazido pelos imigrantes alemães no século XIX remonta ao período renascentista, desenvolvido em alguns lugares da Europa, e no caso da Alemanha, entre os séculos XVI e XVIII. Entretanto esta técnica construtiva tem seu embrião surgido em muitos locais do planeta e desenvolvido de maneira diferente, adequados ao terreno, cultural e geografia, desde o neolítico.
Na Europa, onde tem origem o enxaimel que veio para a região surgiu há mais de 7 mil anos a.C., após a revolução agrícola, no momento em que o homem deixou de ser caçador e coletor e passou a ser agricultor e pastor. Limpavam o terreno de florestas, para o plantio e pastos para o rebanho.
Embrião da casa do imigrante da região do vale do Itajaí, na Europa, há mais de 7 mil anos, após a revolução agrícola. WITTMANN, 2019.


Com o material, como acontecia na Colônia Blumenau, no século XIX, e no seu interior, no início do século XX, construíam seus abrigos, melhorados, ao longo dos séculos, pela técnica construtiva. Parte deste território foi ocupado pelo Sacro Império Romano, que interferiu na técnica e através deste contato surgiu a técnica de construção mista. Ao norte do continente - sem o contato com a cultura romana, a casa de construção com técnica construtiva enxaimel, recebeu pouca influencia na maneira de construir, somente com o objetivo de agregar o conforto e a tecnologia à maneira de construir do alto neolítico.
Muitos pesquisadores alemães da técnica construtiva que estiveram na região de Blumenau, como Manfred Gerner em 1996, entre outros, ao se depararam com o conjunto da obra, nas décadas de 1980 e 1990, afirmavam que viam o maior conjunto  de edificações feitas com a técnica construtiva enxaimel fora da Alemanha e que isto contribuiu para a construção da paisagem da cidade junto com os elementos estruturadores em suas primeiras décadas. Hoje não se poderia afirmar isso, diante do grande número de demolições destas casas. De acordo com o professor Vilmar Vidor, o primeiro pesquisador da obra na região, dentro da academia, a partir de seu Cadastro Projeto Memorvale, em entrevista cedida ao jornalista Carlos Pimpão, 2 terços do patrimônio cadastrado no projeto dá haviam sido demolidos.
Em 16 agosto de 1996, uma das primeiras casas construídas no bairro Vila Itoupava - Blumenau, foi instrumento de pesquisa estudo do Deutsches Zentrun fur Hanwerk und Denkmalpflege e FURB - curso de restauro coordenado pelo Pesquisador e carpinteiro alemão Manfred Gerner, seu auxiliar e alunos das duas primeiras turmas do curso de Arquitetura da FURB. Casa com fechamento em taipa de bambu e madeira, baldrames de pedra. Sr. Gerner ficou encantado com o conjunto de tipologia que viu no vale do Itajaí, na época. Nomes de alguns que participaram do curso: 1 - mestre carpinteiro Bernd Kuschinik; 2 - Michele; 3 - Patrícia Schwanke; 4 - Silvana; 5 - Inês; 6 - Manfred Gerner; 7 - Sávio Abi-Zaid; 8 - Luciana Grebe Rosa; 9 - Iara Gomes; 10 - Juliana Stefanes; 11 - Egon Tiedt; 12 - Angelina Wittmann; 13 - Arthur Bonna; 14 - Guido Paulo Kaestner Neto;  15 - Pedro Ernesto Bühler; 16 - Egon Belz; 17 - Vera Krummenauer; 18 - Joice; 19 - Ione Pereira;








Tipologia construída com a técnica enxaimel atual. Sustentabilidade - Alemanha.
Não precisamos continuar a construir utilizando estas técnicas e tipologia das primeiras décadas de história de Blumenau, embora na Alemanha a técnica construtiva enxaimel com o uso da tecnologia atual, é considerada uma das técnicas mais atuais e sustentáveis 
se comparadas a outras usuais e contemporâneas. Poder-se-ia continuar construindo a cidade, mantendo e fazendo a manutenção do patrimônio paisagístico, ainda existente. A paisagem, natural e construída, organizando a sequencia evolutiva em si mesma com harmonia e critério, orientada em um projeto de cidade.
Qual o grão que devemos permitir construir no Centro Histórico do Vale do Itajaí - O Stadtplatz de Blumenau? 
Não é preciso somente olhar a técnica construtiva, mas também o impacto visual.
Passamos no espaço. A cidade fica, com nossas marcas e com as consequências de nossas escolhas para aqueles que ocuparão o mesmo lugar, no futuro.
Exemplar da Rua das Palmeiras - Atual.



Registro para a História
 
Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
Contatos:
@angewittmann (Instagram)
@AngelWittmann (X)

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